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Com bombas e naufrágio, novela 'Órfãos da Terra' será uma trama próxima do documental', diz atriz

Ana Cecília Costa aprendeu expressões e culinária árabe

Missade ( Ana Cecília Costa) com o filho mais novo em cena da novela - Divulgação/TV Globo
São Paulo

Sempre pronta a mergulhar em uma pesquisa, a atriz Ana Cecília Costa, 48, viverá Missade em "Órfãos da Terra" (Globo). A personagem da próxima novela das seis é uma síria católica refugiada no Brasil. Após ser vítima de um bombardeio, ela faz todo o trajeto conturbado de fuga até chegar ao Brasil. A novela estreia dia 2 de abril. 

Os primeiros capítulos devem dar o tom de veracidade à saga de um refugiado. “Minha família atravessa toda a Síria em direção ao Líbano. De lá, eles pegam um bote para chegar à Europa pela Grécia, onde é possível pegar um navio para o Brasil”, conta Ana Cecília, que gravou as cenas em praias de Arraial do Cabo (RJ) e dentro de um navio que percorria a costa brasileira.

Um dos momentos mais emocionantes da gravação é o naufrágio do bote em que ela está. “É comum ver no noticiário que um bote com refugiados virou. Foi uma das cenas mais emocionantes, porque o elenco de apoio todo fala árabe, e é preciso improvisar nesses momentos, e um dos atores começou a rezar o Alcorão", conta a atriz, emocionada. 

Na trama, Missade é mãe de Laila (Julia Dalavia), protagonista da novela, e de um filho ainda criança. No Brasil, ela se encontra com a prima Rania (Eliane Giardini), que já vive no Brasil.

“A novela começa com a saga dessa família fugindo da Síria. Isso se passa em 2015, quando foi o auge da guerra por lá. A trama começa com eles comemorando o aniversário do filho mais novo, e, de repente, a casa é bombarbeada, o que é muito comum por lá. Com isso, parte da família morre no bombardeio e eles saem às pressas, deixando tudo para trás”, conta a atriz.

Após emagrecer 6 kg para viver a personagem Gaia, de “Joia Rara” (Globo, 2013) –que passou por um campo de concentração– Ana Cecília diz que o desafio desse papel é tão complexo quanto outros que ela já recebeu. Missade é uma refugiada que não se adapta ao Brasil e ainda sofre com os traumas de guerra.

“Fiz uma preparação muito cuidadosa. Ela é cristã ortodoxa e fugi muito da caricatura do que pode ser uma mulher árabe. Quero dar o máximo de autenticidade possível e mostrar a beleza e a exuberância dessa cultura”, afirma a atriz.

Ana Cecília conta que está sempre ouvindo música árabe e fica ligada no canal de TV Aljazeera. “Tudo para eu incorporar essa cultura no meu cotidiano. Estou felicíssima em fazer um trabalho tão importante. Os êxodos são uma grande questão da humanidade atual”, diz. 

A novela tem autoria da dupla Duca Rachid e Thelma Guedes, de "Joia Rara" e "Cordel Encantado" (2011), atualmente no Vale a Pena Ver de Novo. A direção da novela é de Gustavo Fernandez, de “Os Dias Eram Assim” (Globo, 2017).  

“Todos eles são muito sensíveis, com uma visão muito humanista. Por isso, adotamos uma linha realista, próxima do documental”, diz Ana Cecília. No meio das cenas de ficção, terão vídeos com depoimentos de refugiados que vivem no Brasil.

RECOMEÇO PELA CULINÁRIA

Em "Orfãos da Terra", Missade terá um restaurante famoso na Síria e uma vida financeira estável. Por aqui, ela terá de começar com uma barraquinha até conseguir chegar onde estava no seu país de origem. 

“Imagine que é muito complicado se adequar. Primeiro tem a questão da língua, que é muito difícil, principalmente para as pessoas mais velhas. E tem gente que sai de lá com uma formação sólida. Um dos personagens é médico e precisa começar do zero, porque seu diploma não nada no Brasil”, explica a atriz. 

Dedicada ao tema que trata a novela “Orfãos da Terra”, Ana Cecília Costa criou um elo de amizades com refugiados sírios em São Paulo, onde ela vive. “Visitei o Alshekh, um restaurante típico, em Pinheiros. O dono abriu as portas da cozinha para eu aprender mais sobre a culinária”, afirma a atriz.

‘NÃO SOMOS HOMENS BOMBA’

Profissionais refugiados estão entre atores, preparadores de elenco, figurantes e parte da produção da novela. A consultoria da trama é feita por Mamede Mustafa Jarouche, professor da USP e único tradutor de “O Livro das Mil e uma Noites” direto do árabe para a língua portuguesa —ele venceu o prêmio de melhor tradução em 2015 da da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). 

“Além dele, a minha preparação foi com o Hadi, um rapaz que chegou da Síria há quatro anos e me ensinou toda a prosódia e sotaque em árabe. Hoje, ele estuda direção teatral da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]”, conta Ana Cecília. Há ainda profissionais congoleses e haitianos, entre outras nacionalidades. 

Dos árabes com quem tem contato, a atriz disse que ouviu muitas vezes a frase “Eu não sou um homem bomba”: “A grande questão é o preconceito. Nós assimilamos a cultura árabe ao terrorismo, mas essas pessoas estão exatamente fugindo do Estado Islâmico, que é o terrorismo mais violento. Esses refugiados são apenas trabalhadores querendo refazer a sua vida, são gente como a gente”, defende a atriz.

Para Ana Cecília, a novela pode ajudar a mudar essa realidade. “Tem muita gente que nunca foi ao teatro ou ao cinema e tem a novela como referência. As pessoas que já ouviram falar de refugiados, agora vão acompanhar a história de uma família e isso deve sensibilizar a população”, diz a atriz, otimista com o seu trabalho. “Todos eles têm uma lição de vida para nos passar, eles são solidários e unidos. A premissa dessa novela é a solidariedade e a compaixão”.