Aposentadoria de Fátima Bernardes é adiada, mantendo tradição da TV brasileira
Nos EUA, é comum que apresentadores saiam do ar depois dos 60 anos
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No início do ano, começaram a circular rumores de que Fátima Bernardes estaria pensando em deixar não só o Encontro, como também a própria Globo. O boato surpreendeu em diversos níveis.
É raríssimo que um apresentador bem-sucedido decida abandonar o programa que ele mesmo ajudou a criar, ainda mais sem ter outro projeto em vista. Mais surpreendente ainda é que Fátima estaria se aposentando antes mesmo dos 60 anos de idade, que ela completa em setembro.
As razões de Fátima são mais que compreensíveis. Com a vida financeira para lá de resolvida, ela agora busca um bem ainda mais precioso: tempo, para poder visitar quando quiser o filho que estuda em Paris e o namorado que mora no Recife. Algo difícil de conciliar com a rotina brutal de um programa diário e, quase sempre, ao vivo.
Mas seu caso seria uma exceção na história da televisão brasileira. Aqui, a regra não-escrita é a de que um apresentador continue no ar até praticamente cair duro em frente às câmeras. Foi o que quase aconteceu com Chacrinha e Flávio Cavalcanti.
Se alguém é meio que forçado a se retirar, o público acha injusto. Em 2016, a Globo decidiu encerrar o Programa do Jô, que custava caro demais para a pouca audiência que dava. Jô Soares saiu da emissora a contragosto, pois queria continuar, mesmo com a saúde abalada. Mas as mesmas pessoas que se revoltaram com esta situação não prestigiaram seu talk show o suficiente para que ele seguisse no ar.
No ano passado, a Globo pensou em fazer algo parecido com Fausto Silva. Para rejuvenescer a estratégica tarde de domingo, o canal pensou em tirá-lo do Domingão e transferi-lo, talvez, para as noites de quinta-feira.
O plano foi torpedeado pelo próprio Faustão, que revelou a manobra ainda em janeiro e, em meados de 2021, assinou com a Band. Ao invés de curtir uma rica aposentadoria, ele preferiu continuar trabalhando. Faustão tem todo o direito de seguir na labuta, ainda mais quando ainda atrai tantos anunciantes.
Seu novo programa, Faustão na Band, não é nenhum fenômeno de audiência, mas tem um bom faturamento e alavanca toda a programação da emissora. Essa longuíssima permanência no vídeo é uma característica da televisão latino-americana.
Na Argentina, a icônica Mirtha Legrand, a bordo de gloriosos 95 anos de idade, está prestes a estrear um novo programa semanal. O chileno Don Francisco, famoso em todo o continente, ainda comanda o Teleton de seu país, aos 81.
A coisa muda de figura na TV americana. Por lá, é comum que os apresentadores se aposentem pouco depois dos 60 anos, mesmo se ainda estiverem atingindo bons números de audiência. Jay Leno e David Letterman, que protagonizaram uma "guerra" no início da década de 1990, deixaram seus talk shows sem choro nem vela, cedendo o lugar, respectivamente, para Jimmy Fallon e Stephen Colbert.
A prática é impiedosa, mas tem motivações comerciais. As redes de TV aberta estão sempre atrás do segmento do público entre 18 e 49 anos. É o período da vida em que as pessoas se formam, se casam, têm filhos, compram casas e automóveis. Ou seja, são o alvo preferencial da maioria dos anunciantes.
É lindo que um apresentador fique décadas a fio no ar, envelhecendo junto com seu público. O problema é que esse público vai minguando com o tempo, e não é renovado. Hebe Camargo passou por isto: no final da vida, mesmo com todo seu talento e prestígio intactos, a grande dama da nossa TV não dava mais IBOPE.
De qualquer forma, a aposentadoria precoce de Fátima Bernardes já foi adiada. A Globo conseguiu segurar a apresentadora, convencendo-a a comandar a próxima temporada do The Voice Brasil. Uma carga de trabalho muito mais leve, que permitirá que ela ainda realize seus sonhos de viagens e descanso.
A saída de Fátima do Encontro promoveu uma dança das cadeiras, com muitos nomes trocando de programa e outros indo para a geladeira. O movimento mais interessante é a ida de Maria Beltrão para o É de Casa, que dará ao público da TV aberta a oportunidade de conhecer a mais descontraída âncora da GloboNews.
A Globo sabe que seus medalhões estão envelhecendo, e que é preciso preparar uma nova geração. A presença de negros à frente de programas de variedades ou jornalismo ainda é irrisória, e tem que ser ampliada com urgência. Agora, o que fazer com os mais antigos? Como se descobre a hora certa de parar?