E aí, TV, você só gosta de quem é jovem, bonita e magra?
Emissoras apostam no mesmo padrão entre apresentadoras, atrizes e jornalistas
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Estou 100% em modo Glória Pires, não sou capaz de opinar sobre o talento de Rafa Kalimann como apresentadora. Mas sou capaz de opinar sobre o que vejo: Rafa é uma jovem bonita, que fotografa muito bem. Como se diz no jargão de TV "a câmera gosta dela".
A câmera e a Rede Globo, que parece determinada a achar um lugar para sua estrela. Vale lembra que a Rafa foi chamada para o BBB 20, contratada pela Globo após o reality, preparada pela seguir uma carreira artística, selecionada para apresentar o evento Menos30Fest da emissora, agraciada com o talk show Casa Kalimann (Globoplay), contemplada com mais 3 anos de contrato depois de a ‘Casa’ cair, escalada como repórter do BBB e, recentemente, como atriz da série original Globoplay "Rensga Hits".
Sorte dela. Desejo que a Globo a empodere para que ela consiga enfrentar a horrível onda de ódio que ela tem recebido na Internet desde que emagreceu. A revolta dos haters se fundamenta na pergunta "mas por que uma garota magra quer ser ainda mais magra?", pergunta que pode ser respondida com a frase "porque o corpo é dela e ela faz o que quiser com ele". Simples assim.
O que não é tão simples é o fato de a TV gostar demais de gente jovem, bonita e magra, especialmente... mulheres. E por isso usei como exemplo a Rafa Kalimann. Não posso afirmar que uma ou outra emissora "exige" que todas as profissionais se encaixem num padrão, mas posso contar a minha experiência como telespectadora e como profissional de TV.
Como telespectadora posso dizer: o povo não é bobo. A gente vê o que acontece. Basta dizer que fulana vai para a TV aberta, que não-sei-que-influenciadora vai fazer algo na televisão e pronto: começam os procedimentos estéticos de todos os tipos e a dieta. Resultado: a pessoa emagrece. Pode ser por vontade própria, pode ser por sugestão da TV, fato é que todos usam como justificativa a falácia "na TV você parece ter 5kg a mais".
Novamente, cada um faz o que quer com seu corpo e as TVs têm todo direito de fazer tudo para encontrar um bom visual para seus contratados. Mas ressalto o fato cruel de a TV dificilmente contratar quem está fora desse padrão.
Quer um exemplo? As apresentadoras do segmento meteorológico. Durante muitos anos, parecia que a Globo tinha uma "máquina de moer moças do tempo". Todas eram jovens, bonitas, magras. Abra a gavetinha da memória e lembre de Fabiana Scaranzi, Patricia Poeta, Rosana Jatobá, todas excelentes profissionais que construíram belas carreiras. Lindas e competentes. Mas... será que nunca existiu ninguém que fosse tão competente e talentosa e que merecesse ser contratada mesmo não sendo magra e bonita?
E tem algo importante a ser destacado aqui: todas eram mulheres brancas. Levou anos e anos até que as emissoras acordassem para a diversidade e contratassem a excelente jornalista Maju Coutinho, que tornou-se a primeira mulher negra a apresentar o tempo, depois o Jornal Nacional e o Fantástico, abrindo portas para muitas outras mulheres pretas competentíssimas.
Foi um passo importante para a igualdade, mas o padrão físico continuou, com Anne Lottermann, Eliana Marques e tantas outras grandes profissionais, todas jovens, bonitas e... magras.
E aqui entra minha experiência profissional. Uma vez uma contratante me disse que eu não podia ser apresentadora porque eu não era nem bonita e nem magra e não poderia "inspirar" nenhuma outra mulher. Da segunda vez foi um homem, um diretor, que disse que mesmo que eu estivesse magra, eu estava velha demais para estar no vídeo. Curioso que não se cobra idade de homens como apresentadores. Para muita gente na TV, um homem maduro e grisalho é "charmoso", já uma mulher de mais idade e cabelos brancos é apenas "velha" mesmo.
E como se muda isso? Com pressão popular. Exigindo. Botando a boca nas redes sociais até que a "grande mídia" escute. É lutando contra o preconceito racial, de gênero, o preconceito contra pessoas com deficiência, o etarismo, que vamos conseguir avançar. As emissoras, os anunciantes, se sentem pressionados e veem-se obrigados a mudar os rumos.
Hoje, a TV já tem mais pessoas pretas no vídeo (embora praticamente só tenha brancos no comando das emissoras), começa a ter pessoas com deficiência apresentando programas, pessoas trans, pessoas gordas, abrindo o leque para a pluralidade em realities, novelas. Mas depois de 72 anos impondo um padrão, o público já foi tão doutrinado pela TV que mesmo quando a emissora não exige beleza, vem uma parte do público e vota nos mais "bonitinhos padronizados".
De novo, não sou capaz de opinar quando se trata de futuro. Mas meu sonho é que, um dia, o talento grite tão alto quando a aparência. Que o conteúdo chame tanto a atenção quanto a beleza. Até que um dia, a humanidade se sobreponha a tudo isso. E a generosidade, a empatia de alguém possa ser um modelo de conduta que todos queiram seguir.
Então, fica a dica: em vez de se matar para emagrecer como a Rafa, você pode copiar o trabalho social que ela faz como embaixadora da Missão África, ONG pela qual ela vai anualmente a esse continente ajudar comunidades carentes com assistência médica e construção de escolas.