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Horror, horror, horror: há talento na fantasia macabra da pandemia

Livro 'Antologia Dark' traz contos dos principais nomes da nova literatura nacional

Nova antologia nacional da DarkSide baseada na obra de Stephen King, o mestre do terror - Divulgação

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Horror. Horror. Horror. A tripla afirmação é uma expressão clássica de Shakespeare (1564-1616). Articula o medo e o sobrenatural maligno em uma obra de ficção. Depois do poeta inglês, o desespero humano e o pior que há em cada um de nós já foram retratados por muitos autores na história da literatura. E o americano Stephen King, conhecido como Homem do Maine, é hoje no mundo o porta-voz da fantasia macabra no mundo das letras.

Nestes quase seis meses de pandemia no Brasil, o lançamento "Antologia Dark" (R$ 59,90, 216 págs., Darkside) atiça os demônios que já foram evocados na mente de todos os leitores e faz pensar sobre o momento em que vivemos. É ainda um holofote no fim do túnel, pois joga à luz novos talentos da literatura nacional que serão os responsáveis por contar às futuras gerações o horror vivido e as mortes provocadas pela Covid-19 (e catapultada pelas decisões humanas).

Organizada pelo escritor Cesar Bravo, "Antologia Dark" reúne 14 contos escritos por autores nacionais com base nas principais obras-primas de King: "O Iluminado", "Carrie, A Estranha", "Um Sonho de Liberdade" e até a série "A Torre Negra". Estão todos lá. Retratados em sua versão à brasileira (o livro foi escrito antes da pandemia). O risco que sempre há ao fazer uma versão de um clássico é superado com louvor pela equipe escolhida por Bravo.

King continua ali, em cada um dos textos, ambientado à sua maneira na língua portuguesa e na realidade brasileira. Sim, ainda não temos o nosso King, mas contamos com bons nomes que podem brigar para chegar lá. "Certos autores deixam um legado tão brutal que tudo o que podemos fazer é perseguir seu rastro. King é um autor que floresceu nos anos 1980, e muito do que ele produz até hoje se deriva dos demônios e questões dessa época", afirma Cesar Bravo, organizador do livro e autor de um dos contos, "Granizo Fino".

"Não vejo alguém que sustente o talento e a produção de King por tanto tempo, no cenário atual. O que vejo é uma nova safra, que pode, sim, ainda nos surpreender com histórias cada vez mais imagéticas e únicas", acrescenta.

Entre o time escalado, está a maior revelação da literatura nacional da década, o autor policial Raphael Montes, o poeta Ferréz, grande representante da literatura nacional, Cláudia Lemes, uma das mulheres que mais se destacam no gênero, Andrea Killmore, pseudônimo criado por Raphael Montes e Illana Casoy, e Marco de Castro, o Marcão, autor do conto que deu origem ao filme "Morto Não Fala", da Globo, e que foi por seis anos repórter policial do Agora S.Paulo, jornal que pertence ao Grupo Folha.

"Quando comecei a trabalhar como repórter, entrei em contato com uma realidade brutal e assustadora. Muito mais assustadora do que qualquer filme de vampiro, fantasma, lobisomem... O que eu tento fazer ao escrever ficção é inserir elementos de terror sobrenatural nesse cenário real que já é extremamente aterrador. Se você for analisar as histórias que escrevi, geralmente vai encontrar algo sobrenatural sendo suplantado pela desgraça do mundo real", afirma Castro, também autor de "Ninjas".

Confira na íntegra as entrevistas, concedidas por email durante a pandemia, de Cesar Bravo e Marco de Castro.

*

Cesar Bravo

De onde veio a ideia de reunir um time de autores para repensar a obra do Stephen King e não do James Ellroy ou do Dashiell Hammett (1894-1961), outros mestres do suspense, por exemplo?
Na escolha de um nome como Stephen King, levamos em conta o conjunto da obra, o próprio autor e o valor afetivo dessa combinação para os leitores. King botou o horror na cara do mundo, inundou os cinemas com suas ideias, pavimentou o caminho de centenas de escritores talentosos e está, desde 1974, mantendo sua produção em um ritmo impressionante. Quando começamos a imaginar uma antologia, seu nome saltou à frente como um neon sujo de sangue. Levando em conta meu envolvimento pessoal com a obra de Stephen King, eu não poderia sugerir outro autor para começar uma série de antologias. Se tudo se confirmar como esperamos, será muito bacana prestar nosso tributo também a outros autores, inclusive à síntese impactante de Ellroy e à atmosfera sombria de Dashiell Hammet.

E como foi a escolha dos escritores? Vi que tem gente mais conhecida, como o Ferréz, e outros menos. A partir do que você convidou cada um deles a participar?
Decidimos mesclar talentos de diferentes áreas, que tinham Stephen King como fator em comum em suas inspirações. Em 'Antologia Dark', encontramos autores exclusivamente literais, produtores e diretores de cinema, roteiristas, rappers, jornalistas, criminalistas e entusiastas do gênero. Acima de tudo, o leitor visitará profissionais que estão nesse exato momento construindo um mercado de entretenimento nacional muito mais interessante e promissor para os próximos anos.

Vi que as ilustrações são parte importante do livro, principalmente nas primeiras páginas. Gostaria que falasse um pouco sobre elas. São sombrias, mas bem precisas ao mesmo tempo, como que em uma anatomia.
A Darkside Books sempre trata seus livros como uma experiência sensorial. Podemos notar isso na textura da capa, na diagramação, no meu livro 'VHS', por exemplo, temos o formato de uma fita de videocassete. As ilustrações de 'Antologia Dark' ficaram por conta de Hokama Souza, que também emprestou seu traço a outros trabalhos da 'Darkside', como 'Edgar Allan Poe, vol. 2'. A profundidade e fidelidade que Hokama alcançou nesses dois trabalhos realmente nos impressionou muito, é quase uma síntese, uma legenda do que virá a seguir.

O conto 'Cárem Sinistra', do Marco de Castro, o Marcão, é baseado em um dos mais conhecidos de King e é um dos melhores do livro, também. Mas isso também seria um risco. O que achou da Cárem brasileira e da exploração do lado religioso de sua mãe?
Particularmente, eu amo tudo o que sai da cabeça de Marco de Castro, e claro que Cárem Sinistra ocupa um lugar de honra nesse compêndio assombroso. Através dessa história, Castro conseguiu demonstrar perfeitamente a universalidade do horror, nossos dramas em comum, importando traços da “Carrie” de King e situando-os na periferia brasileira. Assim como o texto de Ferréz, a voz de Castro chega como um tapa na orelha, um punk-rock, um rap, um grito de “Ei! Somos brasileiros e sabemos falar sobre o horror!”. A religião abordada em “Cárem Sinistra” tem o mesmo potencial tóxico do livro original de Stephen King. E, apesar da pungência em certos momentos na narrativa, sabemos que muitos jovens estão enfrentando pressões parecidas para formar seu próprio pensamento crítico sobre a existência ou não de um poder maior que (supostamente) deveria conduzir suas vidas. Em um Brasil desesperado e mal administrado como o nosso, a religião muitas vezes assume esse papel muito estranho, quase político, que não cabe a ela. Outro texto que me deixou extasiado foi 'Creed', de Cláudia Lemes, inspirado em 'O Cemitério'. Foi como voltar ao Maine. Já com Ilana Casoy, temos uma história que nos coloca em um labirinto, que também transita pela religião de forma única.

Uma pergunta para fazer pensar e talvez sem resposta: King está na ativa. Você vê um sucessor dele na literatura de horror e fantasia?
Certos autores deixam um legado tão brutal que tudo o que podemos fazer é perseguir seu rastro. King é um autor que floresceu nos anos 1980, e muito do que ele produz até hoje se deriva dos demônios e questões dessa época. Assim como não vejo um sucessor para Lovecraft, um novo Poe, mesmo um novo Bukowski e um Kerouac (nos afastando um pouquinho do terror), não vejo alguém que sustente o talento e a produção de King por tanto tempo, no cenário atual. O que vejo é uma nova safra, que pode sim ainda nos surpreender com histórias cada vez mais imagéticas e únicas. O próprio herdeiro real, Joe Hill, é um autor de gosto muito de ler; sua imaginação sempre consegue me surpreender.

Acha que faltou alguma obra importante de King que gostaria de contemplar em uma próxima antologia?Como bom aficionado por King, quero ver tudo nas mãos dos nossos autores o quanto antes. Fico imaginando como seria o Pennywise de “It” se apresentando em um circo dos anos 1950 no interior de São Paulo, ou um “Nevoeiro” emergindo das praias do Rio de Janeiro. Por que não um Opala assassino ocupando o lugar de “Christine”? De onde estou, hoje, eu só não gostaria de continuar assistindo “Dança da Morte”, porque o roteirista que o adaptou para a Covid-19 está pegando pesado demais. Ainda assim, espero um final transformador, como vez ou outra recebemos do grande King.

*

Marco de Castro

Qual foi o desafio de transpor um dos maiores romances da história do horror para a realidade brasileira?
A realidade da periferia brasileira é algo tão assustador que não houve dificuldade nesse sentido. Aliás, o fanatismo religioso e a ignorância do povo brasileiro tornam nosso país o cenário ideal para uma história como a que o Stephen King escreveu em "Carrie". Acho que a maior dificuldade mes foi tentar manter a essência do romance no conto, sem simplesmente repetir o enredo criado pelo King, e ainda inserir crítica social, que é o que sempre busco nos meus textos.

Além de King, você buscou inspiração em outros mestres do horror?
Já li muito Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft. Mas acho que a minha inspiração para escrever terror vem mesmo do cinema, dos mestres John Carpenter, George Romero, Tobe Hooper, entre outros.

Aliás, qual deles você mais lê no dia a dia e quais mais influenciaram o seu estilo de escrever?
Dos escritores de horror, o que mais leio é, sem dúvida, Stephen King. E ele é o escritor do gênero que mais me influencia por inserir o horror em um cenário cotidiano atual. Mas o meu estilo, na verdade, bebe mais na literatura policial. Principalmente na violência de textos de caras como Rubem Fonseca e James Ellroy. O policial noir clássico escrito por Raymond Chandler e Dashiell Hammett também me influenciou bastante.

Sei que você começou a carreira como repórter policial, o que também é o caso de alguns dos grandes da literatura. Como você entrelaçaria os dois mundos, ainda mais sendo o King um cara que ultrapassa os limites do real?
Sou fã de terror desde criança, graças ao cinema. Só depois passei para a literatura, na adolescência. Mas, quando comecei a trabalhar como repórter policial, entrei em contato com uma realidade brutal e assustadora. Muito mais assustadora do que qualquer filme de vampiro, fantasma, lobisomem... O que eu tento fazer ao escrever ficção é inserir elementos de terror sobrenatural nesse cenário real que já é extremamente aterrador. Se você for analisar as histórias que escrevi, geralmente vai encontrar algo sobrenatural sendo suplantado pela desgraça do mundo real.

Quais seus próximos projetos?
Acabei de escrever três contos para um outro projeto da Darkside. Se tudo der certo, a editora também deve publicar uma coletânea de contos meus em breve. É importante ressaltar que essa parceria com a Darkside surgiu após o lançamento do filme "Morto Não Fala", do diretor Dennison Ramalho, que é inspirado num conto homônimo que escrevi, fez sucesso e foi visto em diversos países. No mais, pretendo seguir escrevendo.


MAIS VENDIDOS

Ficção
1 “A Garota do Lago”, de Charlie Donlea (Faro)
2 “Box Franz Kakfa”, de Franz Kakfa (Novo Século)
3 “Box H.P. Lovecraft”, de H.P. Lovecraft (Pandorga)
4 “Eleanor & Park - Slim”, de Rainbow Rowell (Novo Século)
5 “Box Jane Austen”, de Jane Austen (Martin Claret)

Não ficcção
1 “A Arte da Sabedoria”, de Baltasar Gracián (Faro)
2 “Mindset”, de Carol Dweck (Objetiva)
3 “Perdas Necessárias”, de Judith Viorst (Melhoramentos)
4 “Box - A História da Primeira Guerra Mundial”, de David Stevenson (Novo Século)
5 “Escravidão - Vol. 1”, de Laurentino Gomes (Globo)

Autoajuda
1 “Mais Esperto que o Diabo”, de Napoleon Hill (CDG)
2 “Quem Pensa Enriquece”, de Napoleon Hill (CDG)
3 “Ansiedade - Como Enfrentar o Mal do Século”, de Augusto Cury
4 “O Milagre da Manhã”, de Hal Elrod (Record)
5 “A Sutil Arte de Ligar o Foda-Se”, de Mark Manson (Intrínseca)

Fonte: Livrarias Saraiva (de 6 a 12.jul.2020)

A coluna sai em férias e volta a ser publicada em outubro. Até lá!