Proposta de proibição do funk é absurda, autoritária e inconstitucional
O Brasil quase não tem problemas neste momento. A economia vai de vento em popa, a violência é uma lembrança distante e a política anda tão calma que chega a ser chata. Nesse marasmo todo, temos tempo e disposição de sobra para discutir uma das poucas questões que nos afligem: o funk.
Pelo menos é o que pensam os signatários da Sugestão Legislativa 17/2017, que propõe nada menos que a criminizalização do funk como crime (sic) de saúde pública a (sic) criança aos adolescentes e a (sic) família.
De autoria do empresário paulistano Marcelo Alonso, 46 --que mantém um site chamado Funk É Lixo, com presença nas principais redes sociais --a proposta superou as 20 mil assinaturas necessárias para ser avaliada pelo Congresso Nacional.
"É fato e de conhecimento dos Brasileiros difundido inclusive por diversos veículos de comunicação de mídia e internet com conteúdos podre alertando a população o poder público do crime contra a criança, o menor adolescentes e a família. Crime de saúde pública desta 'falsa cultura' denominada 'funk'."
Para além dos muitos erros de português --tantos que eu preferi não pontuá-los com (sic)-- o texto da sugestão demonstra um desconhecimento atroz dos direitos mais básicos garantidos pela nossa Constituição.
É absurdo porque o funk não é falsa cultura: é cultura mesmo, no real sentido da palavra. É uma manifestação cultural multifacetada, que envolve inúmeros aspectos --música, dança, vocabulário, moda-- e que engloba diversos estilos. O funk de Ludmilla não é o mesmo de Mr. Catra. E o que dizer de híbridos como o funk-rock? Proíbe-se tudo, de roldão?
É autoritário porque pretende determinar o que outras pessoas podem ouvir. Além de criminalizar todo um gênero musical: quer dizer, então, quem for flagrado escutando, digamos, a subversiva "Só Love" pode ir em cana?
E é inconstitucional porque passa por cima do direito à livre expressão --um dos pilares de qualquer democracia.
Ãin, mas nos bailes funk se vendem drogas e se cometem crimes, resmunga alguém. Pode até ser, mas contra isto já existem leis específicas. Até os pancadões no meio da rua, cujo barulho incomoda a vizinhança, já são alvo das leis do silêncio que vigoram em muitas cidades.
Quis o destino que o senador Romário (PSB-RJ) fosse sorteado relator do projeto. O ex-jogador já se declarou totalmente contrário à ideia e publicou um vídeo divertido em sua página no Facebook explicitando suas razões.
Mas também convocou uma audiência pública (ainda sem data definida), para a qual convidou cantores como Anitta, Valesca Popozuda e Nego do Borel, os antropólogos Hermano Vianna e Mylene Mizrahi, e o próprio autor da proposta, Marcelo Alonso.
Até já sabemos como esta história vai terminar: em nada, é claro. Mas a sessão no Senado promete ser engraçada --o que não deixa de ser um alento nesses tempos em que o Brasil está no chão, chão, chão.
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