Tony Goes

A Globo não é mais a mesma dos tempos de Boni, e isto é ótimo

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O caso José Mayer dominou o noticiário de entretenimento desta semana. Depois da eclosão do movimento Mexeu com Uma, mexeu com todas, lançado por funcionárias da Globo, houve até contrarreações. Atores como Caio Blat e Oscar Magrini tentaram minimizar a culpa do colega acusado de assédio, e foram tão criticados que precisaram sair pela tangente.

Mas nada me chamou tanta atenção quanto as declarações de Boni, o ex-todo poderoso da Globo. Foi ele quem consolidou a liderança da emissora, que continua firme vinte anos depois de sua saída.

Criador da grade de programação que existe até hoje, extraordinariamente exigente e dono de um faro ímpar para descobrir talentos, Boni é a figura mais importante de toda a história da televisão brasileira.

Na sua época, a Globo se comportava quase como se detivesse o monopólio da informação. O que não fosse noticiado em seus telejornais praticamente não existia. Os canais concorrentes jamais eram citados. Artistas que não fossem contratados da casa não podiam aparecer sequer em comerciais. Tudo para manter o domínio absoluto, tanto sobre a audiência quanto sobre as verbas publicitárias.

Um dos resultados dessa política foi que, mesmo depois da saída de Boni, a Globo foi condenada a contemplar o próprio umbigo. Programas como "Casseta e Planeta Urgente" não podiam satirizar programas de outras emissoras, uma situação bizarra que só mudou com o "Tá no Ar".

As coisas começaram a mudar quando Carlos Henrique Schroder assumiu a direção-geral, em 2012. A Globo se tornou mais aberta para o mundo exterior e mais transparente quanto ao que acontece lá dentro. Uma atitude inteligente e inevitável, diante de um mundo distinto do de vinte anos atrás.

A Globo ainda é líder, mas a distância entre ela e os outros canais abertos diminuiu bastante. A TV paga e as plataformas de streaming fragmentaram o público ainda mais. E a chegada da internet mudou o jogo de vez.

Boni diz que o caso José Mayer é assunto interno, que jamais deveria ter sido notícia no "Jornal Nacional". Mas como ignorar o fato de que quase todas as estrelas femininas da casa junto com diretoras, produtoras e até funcionárias de outras empresas invadiram em massa as redes sociais, com fotos onde aparecem usando a camiseta do movimento #ChegaDeAssédio?

Não dá mais para tapar o sol com a peneira. Nos velhos tempos, o assédio de um ator famoso a uma figurinista provavelmente não sairia do camarim e é sintomático o fato de Boni ter dito que jamais recebeu uma denúncia dessas. Não deve ter recebido mesmo. As moças de então sabiam que eram o lado fraco, e que poderiam perder o emprego se reclamassem de qualquer coisa.

Já as moças de hoje sabem que são maioria. Há mulheres em postos-chave por toda a Globo, e a nenhuma delas ocorre ficar calada. Ainda mais quando elas têm a internet à mão, para amplificar suas vozes e seu poder.

Portanto, não é sensacionalismo, como disse Boni, a própria Globo tratar do caso em sua programação. É uma política corajosa e, sim, também uma estratégia de marketing (para não dizer de sobrevivência). Os tempos mudaram e, pelo menos neste ponto, para melhor.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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