Tony Goes

Na reta final, 'Velho Chico' tornou-se uma grande novela

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Não dá para dizer que "Velho Chico" (Globo) tenha sido um sucesso retumbante. Prevista para a faixa das 18h, a trama de Benedito Ruy Barbosa foi promovida pela emissora para o horário das 21h, depois das decepções com "Babilônia" e "A Regra do Jogo".

A cúpula do canal queria um novelão à moda antiga, com mocinho e vilão bem definidos. E ambientação rural, para escapar do excesso de favelas em outras produções da casa.

Mas não foi isso o que o autor e o diretor-geral, Luiz Fernando Carvalho, entregaram. O roteiro era cheio de personagens ambíguos, sem distinção clara entre quem era do bem e quem era do mal. E a direção foi rebuscada, quase barroca, com fotografia saturada, atuações um tom acima do realismo e figurinos extemporâneos.

Depois de uma primeira fase fulgurante, onde Rodrigo Santoro brilhou como o jovem coronel Saruê, os problemas apareceram. O público não entendia direito por quem devia torcer. As roupas fora de época não deixavam claro que a história se passava nos dias de hoje. Até a peruca acaju de Antonio Fagundes foi execrada, pela imprensa e pelas redes sociais.

Apesar do elenco enxuto, das imagens belíssimas e dos excelentes diálogos, "Velho Chico" não cumpriu a contento sua missão, que era recuperar a audiência do horário. Não chegou a ser um fracasso, mas em vários dias foi ultrapassada no Ibope pelas novelas das 18 e das 19h.

Até que a vida superou a arte. A morte de Domingos Montagner, a apenas duas semanas do final, deu um sentido transcendental à obra. O ator foi tragado pelas águas do rio São Francisco, como seu personagem Santo alguns meses antes. Só que, ao contrário da ficção, não sobreviveu.

Talvez seja controverso o que vou dizer agora, mas essa tragédia fez bem, artisticamente, para uma obra que já era ambiciosa. A solução encontrada pela direção para as cenas que Montagner deixou de gravar foi genial. Os atores contracenaram com a câmera, como se estivessem olhando para o ator, e o resultado transbordou emoção.

Para completar, três personagens centrais buscaram a morte —ou a vida após a morte— no São Francisco, nesta reta final. Encarnação (Selma Egrei, sublime) se jogou no rio para entrar no gaiola dos mortos ,onde já estava seu neto Martim (Lee Taylor). E, no capítulo de terça (27), o próprio Saruê (Fagundes) protagonizou uma das cenas mais impactantes do ano, no encontro do rio com o mar.

Em suas últimas semanas, "Velho Chico" tornou-se uma vigorosa meditação sobre a vida e a morte, o arrependimento e o perdão. É injusto querer que a novela tivesse mantido esse nível altíssimo ao longo de toda sua duração. Mas seu desfecho foi glorioso, ainda melhor que o começo, e já entrou para a história da TV brasileira.


Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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