Tony Goes

Mesmo sem prêmio em Cannes, Sonia Braga é nossa maior estrela de cinema

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 Ao contrário do Oscar, o Festival de Cannes é imprevisível. Todo ano a crítica elabora uma lista de filmes favoritos e outra de execráveis, só para se ver contrariada pelo júri de plantão.

Foi o que aconteceu neste domingo (22). A Palma de Ouro até que foi para um título que estava bem cotado, I, Daniel Blake, do diretor britânico Ken Loach. Mas muitos dos outros prêmios foram para longas que os jornalistas detestaram.

E o brasileiro “Aquarius”, tido como pule de dez para levar algum troféu, saiu de mãos abanando. O esquecimento mais escandaloso foi o de Sonia Braga, preterida como melhor atriz em prol de uma desconhecida filipina.

Sem ter visto nenhum desses filmes, já vou dizendo de boca cheia: os jurados cometeram um erro histórico. Quem fica mal na foto são eles, não Sonia. Perderam a chance de coroar uma carreira cheia de altos e baixos porém brilhante, e profundamente ligada ao festival.

Sonia Braga é uma das três grandes estrelas internacionais que o Brasil deu ao cinema. A primeira —e até hoje a maior de todas— foi Carmen Miranda, que continua sendo um ícone reconhecido no mundo inteiro mais de 60 anos depois de sua morte.

A segunda foi Florinda Bolkan (Bulcão de nascença), que foi para a Itália na década de 1960 e se deu bem. Apesar de pouco lembrada hoje em dia no Brasil, Florinda ainda é uma diva na Itália, o país que escolheu para morar.

​As três já eram bastante conhecidas por aqui quando foram se aventurar lá fora. Sonia talvez tenha ido um pouco tarde demais: tinha 35 anos em 1985, quando “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco, a projetou internacionalmente.

Falando mal inglês e sem poder mais fazer papéis de mocinha ingênua, ela até emplacou alguns filmes importantes em seus primeiros anos nos EUA. Mas foi logo relegada ao cinema independente e às séries de TV (que ainda não tinham o glamour que têm hoje).

Mesmo assim, sobreviveu. E só voltou ao Brasil de vez em quando, para uma novela ou um filme sem maiores consequências, até que “Aquariusdesfibrilou sua carreira.

Soninha não era boa atriz quando começou, e nem mesmo muito bonita. Baixinha, de traços comuns e sem corpo de boazuda, ela no entanto possui algo muito mais raro: “star quality”. Cresce diante da câmera. Arnaldo Jabor disse que Sonia tem nitrato de prata na alma: precisa ser filmada o tempo todo.

Essa qualidade fugidia pode ser conferida em sua excepcional filmografia brasileira antes do exílio auto-imposto: “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Eu te Amo” e o próprio “Beijo” são todos excepcionais. E neles Sonia brilha intensamente, sem jamais ofuscar seus colegas de cena. Uma estrela generosa.

Ainda não vi “Aquarius”, mas tenho certeza de que esse brilho também foi capturado pelas lentes de Kléber Mendonça Filho. Ganhar um prêmio em Cannes teria sido bacana, mas o fato é que Sonia Braga nem precisava dele. Há mais de 30 anos que ela é a nossa maior estrela de cinema.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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