'Verdades Secretas' fez do espectador uma tia moralista e fofoqueira
Sabe aquela tia que todo mundo tem? Aquela que fala mal de todo o mundo, mas que também adora espiar pelo buraco da fechadura? Foi nessa tia em que Walcyr Carrasco transformou quem acompanhou "Verdades Secretas" (Globo).
A novela foi um desfile, não de alta costura, mas de depravações. Prostituição, drogas, assassinato, adultério, estupro, e por aí vai. Quase todos os personagens eram moralmente dúbios. Alguns eram até honestos dentro de sua devassidão: o estilista francês Maurice Argent (Fernando Eiras), por exemplo, admitia candidamente que usava seu poder para ir para a cama com o modelo Anthony (Reynaldo Gianecchini).
A única com valores claros era Carolina (Drica Moraes, em interpretação antológica). Não por acaso, também era a única ingênua: sua confiança nos outros não permitiu que ela percebesse que estava sendo constantemente traída pelas pessoas que mais amava.
"Verdades Secretas" me lembrou muito um tipo de filme sensacionalista que se fazia nos Estados Unidos até meados dos anos 1960: os "cautionary tales" (histórias de advertência, em tradução livre) que, a pretexto de alertar sobre o perigo das drogas ou do sexo, mostravam cenas sórdidas e destrambelhadas que atraíam um público careta porém curioso. Títulos como "Reefer Madness", sobre os riscos da maconha, faziam a delícia dessa plateia.
A trama de Walcyr Carrasco —a primeira totalmente inédita na faixa das 23h da Globo— trouxe esse gênero cinematográfico para os dias de hoje. Exibiu casos muito mais pesados do que sua contemporânea "Babilônia", exibida às 21h, sem no entanto encontrar a menor oposição reacionária. Além do horário mais tardio, "Verdades Secretas" também se beneficiou de seu tom assumidamente moralista.
Escrevo esta coluna antes de ver os dois últimos capítulos, mas já desconfio que todos os personagens serão severamente punidos. Ninguém vai ter final feliz, uma inovação e tanto na teledramaturgia brasileira.
A novela também contou com uma direção primorosa, comandada por Mauro Mendonça Filho. Além de um elenco quase todo estelar: muito já se falou de Grazi Massafera como a "noia" Larissa, mas também merecem destaque as atuações de Marieta Severo, Ana Lúcia Torre, Eva Wilma e as estreantes Camila Queiroz e Agatha Moreira.
O que não funcionou? O alívio cômico tentado pelas transas "involuntárias" entre o gay Visky (Rainer Cadete) e a hétero Lourdeca (Dida Camero). Além de irreais, não tiveram a menor graça.
Também houve um evidente exagero em muitas situações. Bruno (João Vitor Silva) viciou-se em cocaína na primeira vez em que experimentou a droga. E custei a crer que um homem rico e charmoso como Alex (Rodrigo Lombardi), que namorava mulheres sensacionais como Samia (Alessandra Ambrosio), precisasse entrar num casamento sem amor só para voltar a pegar a filha de sua nova esposa.
Mas, no frigir dos ovos, nada disso importou. "Verdades Secretas" mexeu com tabus e mostrou imagens jamais vistas na telinha. E fez com que seus espectadores se transfigurassem na folclórica tia solteirona: de dedo em riste, apontando os pecados de todos, mas doida para se escandalizar com cada detalhezinho indecente.
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