Tony Goes

Jô Soares não merece ser crucificado por causa da entrevista com a presidente

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A entrevista que Dilma Rousseff deu a Jô Soares foi exibida pela Globo na madruga de sexta-feira (12) para sábado (13), mas está repercutindo até agora. Pouca gente deve ter mudado de ideia em relação à presidente: quem era a favor continua sendo, e quem era contra também.

O mesmo não está acontecendo com Jô. Ele, que sempre desfrutou de um enorme prestígio, agora está sendo chamado de traidor, vendido, incompetente e daí para baixo.

Tudo que ele fez (e deixou de fazer) durante o programa está sendo achincalhado nas redes sociais. Por que teve que ir a Brasília? Por que não fez perguntas mais contundentes? Por que pareceu concordar com tudo que a entrevistada dizia? Por que aceitou entrevistá-la?


Esta pergunta tem a resposta mais fácil de todas. Presidentes brasileiros costumam ser esquivos com a imprensa. Por aqui não existe sequer o hábito das entrevistas coletivas, tão comuns nos Estados Unidos. Um presidente que se dispõe a falar é uma oferta irrecusável. Jô (e qualquer outro entrevistador que se preze, aliás) teria aceito mesmo se se tratasse de um ditador sanguinário.

As outras questões não são tão simples. Vejamos: por que a presidente não foi ao estúdio da Globo em São Paulo, onde é gravado o "Programa do Jô"? Afinal, Clinton e Obama estiveram várias vezes nos "talk shows" americanos, em carne e osso (por outro lado, não me lembro de ter visto nenhum dos dois Bush).

Mas esta deve ter sido uma condição imposta pela assessoria de Dilma. Ela não iria se arriscar a levar uma vaia quando pisasse no palco. Mesmo se a cena não fosse ao ar, a notícia vazaria. Também há o problema da agenda: uma visita dela a São Paulo lhe tomaria um dia inteiro, com batedores nas ruas e tudo o mais. A visita de Jô ao Alvorada lhe tomou apenas algumas horas.


Aí chegamos ao próprio Jô Soares. A performance do entrevistador está sendo alvejada por todos os lados. Acontece que Jô não é jornalista. Não tinha a obrigação de sabatinar a presidente, nem de encurralá-la com perguntas difíceis. Acho até que jamais encurralou convidado algum: a tônica de seu programa sempre foi a de uma conversa amena.

Claro que Dilma se aproveitou disto para despejar dados e números sem dar chance de contestação. A presidente fala aos borbotões, quase sem respiro entre uma frase e outra. Quem tenta interromper seu jorro verbal acaba passando por mal-educado —foi o que aconteceu com William Bonner, quando a entrevistou durante a campanha eleitoral do ano passado.

E claro que podemos criticar Jô por ter perdido minutos preciosos comentando a importância da Bíblia com Dilma, ou feito perguntas sobre o passado remoto que pouco têm a ver com a crise atual.

Mas dizer que ele é um vira-casaca, ou que é um agente infiltrado do PT, ou até mesmo que recebeu dinheiro pela entrevista —justo ele, que não está exatamente passando necessidade— é simplesmente ridículo. Jô continua sendo o que sempre foi: um intelectual bem-humorado e bem informado, mas, acima de tudo, um "entertainer". Dos melhores que este país já teve e tem. Mais respeito com ele.


Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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