O irresistível fascínio dos famosos que estão por baixo
Este assunto já rendeu uma coluna minha aqui no "F5", e hoje vai render outra. Porque ele vem se revelando um traço persistente da cultura contemporânea: o fascínio mórbido que sentimos pelos artistas que estão num mau momento da carreira.
Antigamente, se o contrato de um ator com uma emissora terminasse e não fosse renovado, o cara sumia sem maior alarde. Se ele demorasse em voltar para a TV, sua ausência renderia no máximo um quadro do tipo "por onde anda", quase sempre em tom positivo ("Fulano agora se dedica a seu sítio em Piripoca, e não sente saudades da fama...").
Mas dois fatores contribuíram para mudar esta situação. O primeiro foi a internet. As redes sociais funcionam como uma câmara de eco perpétuo, onde tudo está sempre em discussão, o tempo todo. E também servem como palanque para os próprios desaparecidos virem reclamar do destino e implorar por uma nova chance.
O outro fator é o acirramento da concorrência na TV aberta. Em busca de mais audiência, muitos programas perderam o pudor de explorar a miséria alheia. Vão até o ex-famoso, mostram como ele vive mal e apontam culpados por sua tragédia —sempre outra pessoa, jamais o dito cujo.
Às vezes nem é preciso que se passe muito tempo. Demitido há um ano do "Domingão do Faustão" (Globo), o lendário maestro Caçulinha foi nesta semana ao programa de Gugu Liberato, na Record. Foi até elegante e não chorou muitas mágoas, mas era óbvio que o objetivo da reportagem era mostrá-lo como vítima da ingratidão de seus antigos patrões.
Outros se prestam alegremente a este papel. Rubens Sabino, que fez um pequeno papel no filme "Cidade de Deus" (2002), foi descoberto na cracolândia de São Paulo. Seu drama foi exposto em sites e programas de TV, que usaram como chamada o fato dele ter recebido "apenas" R$ 4.500,00 por sua participação no premiado longa-metragem de Fernando Meirelles.
Esta quantia é uma remuneração mais do que justa para um ator amador interpretando um personagem secundário em qualquer produção do mundo. Mas, como o filme fez muito sucesso, parte da mídia quis pintar Sabino —que já tinha problemas com drogas desde muito jovem— como um injustiçado. Pouco adiantou a informação de que os produtores tentaram dar emprego ao rapaz, que não se encaixou em nenhum trabalho.
Há também o caso de Russo, o ex-assistente de palco do Chacrinha, que saiu da Globo há pouco mais de um ano, já impossibilitado de trabalhar por causa da saúde debilitada. A emissora deve ter se arrependido do que se revelou um golpe de anti-marketing: teria sido melhor para sua imagem ter mantido Russo em seus quadros, tamanho o escarcéu que ele continua fazendo por não ter mais emprego (recentemente, reclamou de não ter sido convidado para a festa dos 50 anos do canal).
Todos esses episódios passariam batido, não fosse o nosso interesse inesgotável pela desgraça alheia. É reconfortante saber que alguém mais famoso do que nós —ou que pelo menos teve a chance de sê-lo— se deu mal. Os alemães chamam isto de "schadenfreude". E eu chamo de uma mina de ouro para os veículos inescrupulosos que querem aumentar seus cliques e espectadores.
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