Ameaças a Fábio Porchat mostram que Brasil ainda não entende o que é liberdade de expressão
Lá vou de novo defender o Porta dos Fundos. Sim, continuo adorando os vídeos do grupo. Também continuo achando que (ainda) não há ninguém mais engraçado do que eles no Brasil.
O Porta dos Fundos renovou o humor tupiniquim. Nossa tradição sempre foi tirar sarro dos oprimidos. Do pobre, do preto, do gay, do judeu. Desde os tempos do rádio até os comediantes de stand-up surgidos na última década, o alvo preferencial do nosso riso sempre foram os mais fracos.
Fábio Porchat e sua trupe mudaram esse jogo. Passaram a fazer troça não só do governo (que, a bem da verdade, já estava na mira de muitos humoristas), mas também de tudo e todos que exercem algum tipo de poder. Inclusive empresas. Inclusive religiões.
Os esquetes do Porta dos Fundos que riem dos fundamentalistas ou dos dogmas do cristianismo mexeram num vespeiro. O grupo recebeu ameaças e processos. Mas ainda não perderam nenhum, nem sofreram agressões físicas.
Agora conquistaram a antipatia de outro segmento. O vídeo "Dura", divulgado na semana passada, mostra dois cidadãos comuns achacando dois PMs que dormiram em serviço. A inversão de uma situação corriqueira: quem nunca foi, ou pelo menos não conhece alguém que tenha sido achacado por PMs?
Uma reação contundente surgiu poucos dias depois. O autor anônimo do "Blog do Soldado", que se auto intitula "defensor dos policiais militares", postou ameaças nada veladas à integridade física de Porchat, o roteirista "Dura". E isto no mesmíssimo texto onde se declarava favorável à liberdade de expressão...
O blog já foi tirado do ar e a própria Polícia Militar garantiu que não vai tomar nenhuma medida legal contra o humorista. Que dessa vez se assustou para valer: seu próprio pai, que é ex-deputado, foi pedir ajuda no Congresso para proteger o filho.
Duvido que essas bravatas resultem em violência para valer. São todas assinadas por anônimos ou por pseudônimos engraçadinhos, como são quase todos os comentários negativos que infestam a internet. Cães que ladram, mas rarissimamente mordem.
Mas o meu assunto aqui é outro. Quero destacar a maneira curiosa como muitos brasileiros defendem o que acham ser "liberdade de expressão". Costuma ser sempre a deles dizerem barbaridades, ofendendo minorias ou incitando a selvageria.
Quando são eles que se ofendem, partem logo para a violência, ainda que verbal. "Você vai ser metralhado na cara". Não sem também se dizerem paladinos da liberdade de opinião e expressão.
Rir dos policiais corruptos, por exemplo, é liberdade de expressão. Ameaçar de morte quem o faz não é. Parece simples, não? Mas ainda estamos muito longe de compreender este conceito tão complexo.
Até lá, não poderemos dizer que o Brasil é uma democracia.
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