Se focar na religião, Record pode perder ainda mais
A TV aberta brasileira parece se aproximar de um momento de transição. As demissões em massa na MTV levantam a suspeita de que o formato atual da emissora não dura mais muito tempo. A RedeTV!, em eterna barafunda, extingue programas recém-estreados e tem dificuldades em contratar um novo superintendente artístico. Enquanto isto, o SBT se transforma num asilo de programas velhinhos, sem vontade de investir em novidades.
Mas em nenhum outro lugar a crise é tão intrigante quanto na Record. O canal, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, está longe de fechar as portas ou mudar de mãos. Mas, na semana que passou, ele simplesmente enterrou seu plano diretor dos últimos anos.
A cúpula da IURD trocou o comando de seu braço televisivo. Sai Honorilton Gonçalves, entra Marcelo Silva. Como informou Ricardo Feltrin, colunista do "F5", em reportagem publicada na terça-feira (2) no UOL, foi uma vitória da ala conservadora da igreja, mais interessada em arrebanhar novos fiéis do que em arrancar audiência da Globo.
A antiga diretoria queria mais do que isto. O slogan da emissora era "a caminho da liderança", e, durante algum tempo, esta meta parecia plausível. Copiando sua maior concorrente até na geração de caracteres, a Record alcançou números expressivos no Ibope e desbancou o SBT do segundo lugar.
Mas alguma coisa desandou na receita. A Globo contra-atacou com produtos fortíssimos, como "Avenida Brasil". A rede de Silvio Santos recuperou parte do terreno perdido com "Carrossel". Enquanto isto, a Record dava tiros no próprio pé, amargando com "Dona Xepa" o terceiro fracasso consecutivo na mesma faixa de novelas.
A queda no faturamento levou à saída de Gugu Liberato e a dezenas de outros cortes na equipe e no elenco. Além do anúncio de que não só os investimentos em dramaturgia diminuirão drasticamente, como boa parte da produção será terceirizada.
Os reflexos foram imediatos. Comenta-se que a Globo não está mais oferecendo contratos sequer de médio prazo a seus atores --só por obra certa, já que desapareceu o risco iminente de perdê-los para a rival.
Claro que a Record ainda tem alguns trunfos na manga. Rodrigo Faro, estrela em ascensão, tem potencial para fazer um estrago daqueles na concorrência aos domingos à tarde. "Pecado Mortal", a trama que marcará a estreia do autor Carlos Lombardi na casa, já começou a ser gravada.
Mas a esperada proliferação de programas religiosos pela grade da emissora não vai atrair mais espectadores, muito menos anunciantes. A pregação em horário nobre costuma dar uma audiência irrisória.
A estratégia é arriscada, mas até compreensível. Não é só a Record que está em declínio. A própria Universal vem encolhendo (cerca de 11% de 2000 a 2010, segundo o último censo do IBGE), perdendo rebanho para dissidências como a Igreja Mundial do Poder de Deus.
O objetivo agora é reverter este quadro. Mas, sem uma programação atraente para o espectador "leigo", a Record pode estar se fechando num nicho do qual dificilmente conseguirá sair. E abrindo a porta para a renovação da TV brasileira.
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