"Porta dos Fundos" mostra no "Roda Viva" que quem está na encruzilhada não são eles
Em 2011, o humorístico "Junto e Misturado" já tinha gravado quatro episódios de sua segunda temporada quando foi subitamente cancelado pela Globo.
Os índices de audiência do programa até que eram razoáveis para o ingrato horário das 23:30 de sexta-feira. Mas o que se comentou na época (não houve nenhum pronunciamento oficial da emissora) foi que o estilo de "Junto e Misturado" fora considerado elitista demais para a tal da "nova classe C".
Eu não queria estar na pele do executivo que tomou a decisão de extinguir a atração. Hoje ele deve estar se remoendo (ou sendo remoído), porque muitos integrantes do "Junto e Misturado" estão no "Porta dos Fundos", o maior fenômeno do humor brasileiro nos últimos cinco anos.
Nesta segunda-feira (29), dois dos criadores do "Porta" foram entrevistados no "Roda Viva" (Cultura): o diretor Ian SBF e o roteirista Antonio Tabet, o "Kibe Loco", agora também ator.
Foi um papo descontraído com alguns jornalistas e críticos de TV (entre eles, Keila Jimenez da Folha e Mauricio Stycer do UOL). Os entrevistados relembraram suas trajetórias na internet e na própria Globo, que foram fundamentais para a cristalização do formato do "Porta dos Fundos".
Hoje o canal da turma no YouTube é o mais visto do Brasil, com mais de 200 milhões de acessos em menos de um ano. Novas propostas e projetos surgem a todo instante: o roteiro de um longa-metragem já está sendo escrito, e anunciantes e canais de TV aberta querem ter a "Porta" a seu serviço.
Este, aliás, foi o tema recorrente da entrevista: será que o sucesso vai deturpar o humor anárquico do "Porta dos Fundos"? Eles não correm o risco de, ao "aderirem" à TV, perderem a causticidade e se transformarem num produto como outro qualquer? Foi o que aconteceu com Fausto Silva, como bem lembrou o moderador Mario Sergio Conti.
Tabet e SBF responderam a essas questões com serenidade. Não estão fechados para ninguém: adorariam fazer um programa de TV convencional, adorariam fazer mais propaganda, adorariam ficar mais ricos e famosos.
Mas também não têm pressa alguma. A remuneração proporcionada pelo YouTube parece mais do que suficiente para que a empresa tenha um lucro satisfatório e consiga manter uma equipe de cerca de 30 pessoas, todas com carteira assinada. Não foram citados números, mas será que eles ganhariam mais se fossem para a TV?
O "Porta dos Fundos" é uma das coisas mais interessantes da cultura brasileira atual, e não só porque se recusa a se nivelar por baixo para atingir um público mais amplo. O sucesso deles na web mostra que já existe um segmento grande o suficiente para o tipo de humor que fazem.
Mas onde eles realmente inovam é na pouca pressa em se massificarem. É um sinal inequívoco dos tempos em que vivemos: não só não precisam da Globo, como da TV como um todo, aberta ou paga.
Depois do "Roda Viva", ficou claro para mim que quem está na encruzilhada não são eles, mas justamente os veículos que não perceberam direito para que lado o vento sopra nesses novos tempos.
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