Globo às vezes consegue inovar na faixa das 23 horas
A maior emissora do país é frequentemente acusada de não buscar renovação. Sua grade no horário nobre (novela/jornal/novela/show) se mantém estável há mais de 40 anos. Algumas de suas estrelas permanecem no ar há ainda mais tempo.
Mas não é verdade que a Globo não busque novas ideias. A faixa das 23 horas, recém-liberada pelo final de "Gabriela", é o espaço ideal para a experimentação. Não há a expectativa de índices absurdos de audiência, o que alivia a pressão sobre as equipes criativas.
Duas séries razoavelmente bem-sucedidas voltaram esta semana: "Louco por Elas" e "Casseta & Planeta Vai Fundo". Nenhuma das duas me interessa muito. A primeira, porque repete o clichê do homem-banana cercado por mulheres de fibra; a segunda, porque não passa de uma fórmula dos anos 90 ligeiramente requentada.
Também houve duas estreias, ambas assinadas por veteranos da casa. Mas não são apenas novidades: também são acontecimentos únicos, que dificilmente terão novas temporadas no ano que vem.
"Como Aproveitar o Fim do Mundo" se baseia no tal do calendário maia que termina em 21 de dezembro de 2012: segundo algumas interpretações, isto significa que não há mais nada além dessa data.
Alexandre Machado e Fernanda Young misturaram esse mote com o da "sitcom" americana "My Name is Earl", em que um sujeito fazia uma lista de todas as pessoas a quem tinha prejudicado, e partia atrás de cada uma delas em busca do perdão.
Sempre assisto a um novo seriado de Machado e Young esperando algo tão engraçado como "Os Normais", e invariavelmente me frustro. Por mais que os textos sejam hilários, tem sempre algo faltando, e eu finalmente descobri o que é: são Fernanda Torres e Luís Fernando Guimarães. Os dois encontraram o tom certo de interpretar os diálogos do casal de roteiristas, coloquiais e absurdos ao mesmo tempo.
Danton Mello e Alinne Moraes se esforçam, mas muitas vezes exageram no tom. O primeiro episódio até que teve algumas tiradas boas, com os dois fazendo colegas de trabalho que resolvem fazer tudo o que tiverem vontade antes da data fatídica. Vamos ver se melhora: o programa acaba em dezembro, então não há porque economizar cartuchos.
"Suburbia" me empolgou muito mais. É a contribuição anual do diretor Luiz Fernando Carvalho à grade da emissora, e ele foi ambicioso como sempre. Os resultados costumam variar: por mais artística que fosse, achei "A Pedra do Reino" (exibida em 2007) simplesmente inassistível.
Mas dessa vez Carvalho misturou o registro onírico com o realismo, e o resultado foi excepcional. A história de Conceição começa como um conto de fadas, com uma égua cega e muita fumaça num cenário de desolação. Ao mesmo tempo, a miséria em que vive a personagem é dolorosamente real.
De lá ela foge de trem para a "cidade do Pão de Açúcar" e, através de reviravoltas plausíveis, vai trabalhar numa casa de classe média e encontra uma nova família no subúrbio carioca de Madureira. Mas nem tudo são flores: o primeiro capítulo termina com a moça sendo estuprada pelo namorado de sua patroa.
Com elenco quase todo formado por atores negros (a protagonista Erika Januza é uma deusa) e fotografia deslumbrante de Adrian Teijido, "Suburbia" não se parece com nada do que está no ar por aí. Ia dizer que está mais para cinema, mas isto é preconceito meu: na verdade, é TV da mais alta qualidade.
E é um gol da Globo: se não no Ibope, com certeza na inovação. Que venham outras apostas, pois arriscando é que se acerta.
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