A produção de "Gabriela" é super demais
"Gabriela" estreou atirando. O capítulo de ontem abriu com uma cena digna de faroeste, com pistoleiro caindo do telhado, peito perfurado a baioneta e até olho furado. Deu certo: marcou 30 pontos no Ibope e fuzilou a chegada de Théo Becker à "Fazenda".
A primeira versão da novela não tinha cenas de ação, mas os tempos são outros. Em 1975, o coronel Ramiro Bastos aparecia como um velhote temível e poderoso. Nunca o víamos cometer qualquer violência, mas sabíamos que bastava uma palavra sua para condenar alguém à morte.
Essa sutileza não coube no "remake". Agora precisamos ver Ramiro na juventude, encarnado por Antonio Fagundes e uma peruca negra tão "fake" que parecia feita de piaçava. Precisamos ver que o manda-chuva de Ilhéus é mesmo cruel e sanguinário.
Coisa parecida acontece no Bataclan, o bordel da cidade - tão sofisticado que nem mesmo em Paris devia haver lugar parecido. Na primeira "Gabriela", a cafetina Maria Machadão era apenas citada nos primeiros capítulos. Ninguém jamais a via: ela permanecia reculsa em seus aposentos, de onde manipulava os desejos e paixões de seus clientes.
Isto atiçou de tal forma a curiosidade do público que precisaram escalar Heloísa Mafalda para o papel. A personagem só apareceu na tela na segunda metade da trama, e como deveria ser na imaginação de Jorge Amado: uma prostituta aposentada, com traços de ironia e amargura.
Nada a ver com a "entertainer" encarnada por Ivete Sangalo na nova versão. Sua Maria Machadão circula pelo salão do Bataclan, sobe no palco, canta, dança, dá conselhos a Zarolha (Leona Cavalli) - que, por alguma razão misteriosa, não é mais zarolha. Enxerga bem dos dois olhos. Outro sinal dos tempos?
Ramiro Bastos e Maria Machadão perderam a aura de mistério que os envolvia, mas outros enigmas já despontam. Por que há tão poucos negros na nova Ilhéus? Até mesmo os empregados são brancos! E por que escalar atores jovens como Chico Diaz para papéis de coronel? Chico é ótimo, mas nem a maquiagem pesada lhe confere a gravidade que Gilberto Martinho tinha na primeira "Gabriela", onde fazia o mesmo Melk Tavares.
Todos estes são detalhes que escapam à riqueza da produção. É inegável que a beleza das imagens salta aos olhos. O sertão surgiu lindíssimo, com cânions ameaçadores e um céu quase falso de tão azul.
Mas há uma certa tendência ao exagero, tornando tudo elaborado demais. Está certo que uma novela não precisa ser realista e que a audiência quer ver coisas bonitas na TV, ainda mais às 11 horas da noite.
No frigir dos ovos, o que vai definir mesmo o êxito de "Gabriela" é a adaptação de Walcyr Carrasco, não a suntuosidade de cenários e figurinos. Por enquanto achei média. Vamos ver se fica super, como a produção que a embala.
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