Tony Goes

Kraftwerk e o fim da história (da música)

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O historiador americano Francis Fukuyama defende uma teoria polêmica: a história da humanidade teria terminado em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Tudo o que aconteceu depois não passou de marola.

Vou pegar esta tese emprestada (com a qual não concordo, diga-se de passagem) e arriscar que a história da música acabou com o Kraftwerk. Nada mais de realmente novo surgiu desde então.

Ao longo da década de 70, o grupo alemão lançou as bases da música eletrônica. Não foram os únicos pioneiros do gênero, mas os mais influentes: as batidas e programações que eles inventaram reverberam até hoje, do rap mais pesado ao pop mais inconsequente.

Crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress Apresentação do Kraftwerk no primeiro dia do festival Sónar, em São Paulo
Apresentação do Kraftwerk no primeiro dia do festival Sónar, em São Paulo

O mais incrível é que o som do Kraftwerk continua atual. Pude perceber isto mais uma vez durante o show que eles fizeram sexta passada em São Paulo, em mais uma edição brasileira do festival Sónar.

Foi parecidíssimo com as muitas outras apresentações que a banda já fez no Brasil, desde a primeira visita em 1998. Os quatro músicos ficam em pé no palco, cada um atrás de um computador. Atrás deles, projeções num telão ilustram as músicas. Nada de coreografias, explosões ou troca de figurinos. E mesmo assim é sensacional.

A única novidade é que agora as imagens são em 3D. Tive a impressão de que eram as mesmas de sempre, mas o efeito tridimensional é realmente de arrepiar. A plateia, toda usando os óculos apropriados, urrava cada vez que uma nave espacial parecia se arremessar sobre ela.

Muitos espectadores também pulavam eufóricos ao reconhecer os hits da banda, numa dissonância curiosa: o som do Kraftwerk é gelado, cerebral, subjetivo. Não tem nada de celebratório nem de catártico. Mas como convencer disto o público brasileiro, sempre a fim de uma festa?

Faixas como "Numbers" ou "Trans-Europe Express" têm mais de 30 anos de idade, mas parecem ter sido compostas ontem à tarde. As versões ao vivo não são idênticas às dos discos clássicos, mas suficientemente parecidas para percebermos como o Kraftwerk foi profético.

O show só não foi perfeito porque os robôs fizeram falta. Das outras vezes em que vieram, os músicos saíam de cena no final da apresentação e em seus lugares entravam réplicas deles mesmos, enquanto a música não parava de tocar. Todo o medo e fascínio da substituição do homem pela máquina, um "leit motiv" da obra kraftwerkiana, se materializava no palco neste momento.

Desta vez não rolou, pelo menos não em cena. Porque os integrantes originais já foram todos trocados: o único que permanence é o fundador Ralf Hütter.

A piada que corria no Anhembi era que o Kraftwerk se transformou numa espécie de Menudo teutônico: ao completar 65 anos, cada membro da banda é desligado, desmontado numa usina de Düsseldorf e substituído por um modelo mais novo

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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