Tony Goes

As doenças dos famosos e a obrigação de "ser forte"

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Antigamente, as celebridades ficavam doentes em segredo. Fulano sumia de circulação de uma hora para a outra e só algum tempo mais tarde ficávamos sabendo o que tinha acontecido.

Ainda existem casos assim - um exemplo recente é o de Guilherme Karan, de quem só há poucos dias fomos informados de que enfrenta uma enfermidade crônica já faz tempo. Mas a regra geral hoje em dia é adoecer em frente às câmeras, e quase que transformar em espetáculo a própria luta pela saúde.

Não estou criticando quem faz isto: assumir que está doente é um ato de coragem nesta sociedade que exige que estejamos sempre sadios e felizes. Além disto, um famoso doente serve de inspiração para milhares de não-famosos em situação parecida, além de nos lembrar que somos todos humanos.

Mas existe algo que me incomoda nesta exposição toda, e vou tentar identificar o que é. Acho que é o clima de oba-oba que se forma ao redor do adoentado. Aquela corrente pra frente que o incentiva a "ser forte", "pensar positivo", "sair desta o mais rápido possível".

Claro que uma pessoa que enfrenta uma doença séria precisa de todo o apoio, tanto médico quanto psicológico. As próprias celebridades doentes são as primeiras a dizer que o carinho dos fãs foi fundamental para sua recuperação, que elas nem desconfiavam serem tão queridas e por aí afora.

Só não gosto da obrigação de "ser forte". Já tive amigos que sucumbiram ao câncer ou a outras enfermidades, e que ainda foram criticados na hora do enterro: fulano não lutou, desanimou, se deixou levar. Como se a cura dependesse única e exclusivamente da força de vontade.

Não depende, mas temos uma certa dificuldade em entender isto. Às vezes nem a oração mais sincera é capaz de reverter um quadro clínico. E, quando tudo falha, corremos a jogar a culpa na vítima: afinal, ela não "foi forte".

Este não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, quando alguma estrela da TV ou do cinema morre de câncer, a imprensa costuma usar uma terminologia cruel: beltrano "perdeu a batalha" contra a doença. Quer dizer que não basta ter morrido, ele ainda foi "derrotado"?
Há algo de voyeurístico em acompanharmos o tratamento de uma celebridade. Seguimos a rotina da quimioterapia como quem acompanha as estações da Via Crucis, torcendo por uma ressurreição no final. Que nem sempre acontece, infelizmente --e não é porque o doente não teve fé, ou não lutou com todas as suas forças. É porque é tão mortal como todo mundo: não dá para cobrar de alguém famoso uma capacidade de superação que nós mesmos não temos.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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