"O Artista" é divertido, mas não chega a ser grandioso
A passagem do cinema mudo para o falado rendeu pelo menos dois filmes clássicos: "Crepúsculo dos Deuses" e "Cantando na Chuva". No primeiro, uma antiga estrela da era silenciosa vive uma patética decadência. No outro, uma atriz de segunda encontra o sucesso com o advento do som nas telas.
São duas visões opostas do mesmo período, e dois filmes absolutamente esplêndidos. Nenhum deles ganhou o Oscar. "O Artista" deve ganhar e mistura estas visões, mas não tem a mesma grandeza.
Não que não seja um filme delicioso. O diretor Michel Hazanavicius resgata quase todos os clichês do cinema mudo, tirando sarro e prestando homenagem ao mesmo tempo.
A história do ator George Valentin, que vê sua carreira desmoronar porque se recusa a aderir ao "vulgar" cinema falado --afinal, ele é um "artista"-- é inspirada em fatos reais. Muitos astros dos anos 20 não conseguiram chegar aos 30, como Lillian Gish e John Barrymore. A maioria tinha voz de taquara rachada.
Mas "O Artista" também é inspirado em dezenas de filmes, inclusive nos dois que eu citei lá em cima. Outra influência nítida é "Um Corpo que Cai", de Hitchcock, inclusive na ótima trilha de Ludovic Bource --tanto que a propria Kim Novak reclamou.
Jean Dujardin está magnífico no papel principal. Este ator francês é uma combinação ideal de Clark Gable, Errol Flynn e muitas doses de canastrice, além de ter um sorriso capaz de gerar energia para iluminar uma cidade pequena. Sua parceira Bérénice Bejo (na vida real, mulher do diretor) é brejeira e não chega a comprometer, mas não tem o mesmo brilho.
O resto do elenco parece ter sido escalado por uma criança de oito anos, pois todo mundo tem exatamente a cara que seu personagem deveria ter: o produtor inescrupuloso, o repórter, a enfermeira. E todo mundo é gostosamente ofuscado cada vez que o cachorrinho Uggie entra em cena.
É estranho ver um longa-metragem mudo nos dias de hoje. O ouvido não está acostumado, e algumas passagens parecem defeituosas. O ritmo derrapa em alguns momentos, mas há uma sequência de sonho que vai entrar para a história.
Mesmo com tantas qualidades, "O Artista" não chega a ser tão incrível quanto poderia ser. Ele raramente ultrapassa o nível de divertimento espertinho. E isto apesar de alguns temas profundos estarem presentes, como a dificuldade de se adaptar aos novos tempos, a arrogância e a generosidade.
Há uma surpresinha no final, mas ela não passa disto: uma surpresinha. Saí do cinema com a sensação de que "O Artista" é mesmo um metafilme, que discute a maneira como vemos o cinema. Também é engraçado, enternecedor e até mesmo empolgante. Mas faltou aquela faísca indescritível para que ganhasse um lugar entre os clássicos mencionados. Ainda assim, merece ser visto.
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