"Xanadu": o desastre divertido que quase virou tragédia
Fui ver "Xanadu" duas semanas atrás, logo depois da estreia, e achei um desastre. Era apenas a terceira récita do espetáculo, e quase nada funcionava bem. Roldanas emperravam, microfones falhavam, luzes não se acendiam na hora certa. Para completar, Danielle Winits não estava num bom dia, desafinando horrivelmente em quase todas as músicas. E Sidney Magal simplesmente faltou, precisando ser substituído pelo diretor da peça, Miguel Fallabella.
Foi o que salvou a noite. Falabella é uma espécie de Dercy Gonçalves rediviva: costuma interpretar sempre a si mesmo, enche o texto de cacos e estabelece um jogo de total cumplicidade com o público. Ele não sabia o texto de cor e precisou usar um ponto eletrônico, e claro que começou a discutir em cena aberta com a pessoa que lhe passava as falas.
Improvisou, teve brancos, quebrou a quarta parede e arrancou muitas gargalhadas. O resultado é que esta sessão de "Xanadu" durou quase uma hora a mais do que o previsto, mas todo mundo se divertiu muito --inclusive o elenco.
Saí feliz do teatro, mas com a sensação de ter visto um espetáculo que estreou antes de ficar pronto. Esta versão brasileira é muito mais grandiosa que a da Broadway, que eu vi em 2007. A produção de lá era quase modesta, sem efeitos especiais: só um texto afiadíssimo, ótimos atores e as músicas do cafonérrimo filme estrelado por Olivia Newton-John, um dos grandes fracassos dos ano 80.
Aqui no Brasil a peça ganhou uma concepção mais luxuosa, inclusive com um voo dos protagonistas sobre a plateia que não existia no original. No dia em que eu assisti, este foi um dos poucos momentos em que tudo funcionou perfeitamente.
Sábado passado não aconteceu a mesma coisa. Os cabos de aço se romperam e Thiago Fragoso e Danielle Winits despencaram sobre duas senhoras sentadas nas primeiras filas. O espetáculo foi cancelado e os quatro foram parar no hospital. No momento em que escrevo esta coluna, Thiago ainda está no CTI, com nada menos do que cinco costelas quebradas.
Foi um dos acidentes mais graves da história do teatro brasileiro, e que poderia facilmente ter se tornado uma tragédia ainda maior. Vai levar alguns dias para a perícia descobrir o que de fato aconteceu. Como disse Fallabella em seu perfil no Facebook, é improvável que quatro cabos de aço se quebrem ao mesmo tempo, mas não é impossível.
A mesma empresa responsável pelo efeito também produziu o voo do musical "As Bruxas de Eastwick", que permaneceu meses em cartaz em São Paulo no ano passado sem registrar um único acidente.
Foi realmente uma pena o que aconteceu. "Xanadu" está longe de ser uma montagem perfeita, mas o clima de desorganização dos primeiros dias rendeu momentos engraçados em cena. Agora é torcer para que o ultra-talentoso Thiago Fragoso se recupere rapidamente e a peça retome sua carreira, sem maiores problemas.
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