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Tony Goes

"Rei Davi" e "O Brado Retumbante": dois líderes idealizados

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Duas séries duelam no mesmo horário, em canais diferentes. São duas super-produções que falam de homens comuns, alçados ao poder por vias insólitas e saudados como redentores por seus respectivos povos.

"O Brado Retumbante" termina hoje, depois de inúmeros politicos brasileiros terem passado a semana declarando que não se viram retratados na telinha. É claro que se viram: só uma criança não reconheceria Sarney, Zé Dirceu e outras figuraças entre os inimigos do presidente Paulo Ventura.

Os roteiristas acertaram ao fazer do protagonista um sujeito honesto porém imperfeito, com uma agitada vida pessoal. Mas alguns traços do personagem prejudicaram sua credibilidade: onde já se viu um presidente que expõe os intestinos do poder num blog chamado "Sonho Intenso", ou que toca "Aquarela do Brasil" no clarinete, em seus momentos de solidão? Só mesmo na ficção.

Crédito: Zeca Guimarães/Divulgação TV Globo Domingos Montagner como Paulo Ventura em "Brado Retumbante", minissérie da Globo
Domingos Montagner como Paulo Ventura em "Brado Retumbante", minissérie da Globo

Claro que a Globo insisite que "O Brado" é 100% ficcional, mas a ficção política só causa algum impacto quando é plausível. Os americanos são mestres nisto: um bom exemplo é "Tudo pelo Poder", filme dirigido por George Clooney e ainda em cartaz. Ali a trama é totalmente verossímil, e é obviamente inspirada no caso real do ex-senador John Edwards, que concorreu à vice-presidência do país em 2004. No Brasil, nosso espírito carnavalesco acaba exagerando nas alegorias e atenuando o impacto.

Impacto é tudo o que a Record quer causar com "Rei Davi". Antes da estreia, a emissora disponibilizou um promo de 11 minutos na internet que impressionou pela suntuosidade de cenários e figurinos. Mas bastaram dois capítulos para o espectador perceber que faltou dinheiro para elenco e roteiro.

Os diálogos soam pomposos, artificiais; os atores abusam do carão e dos gestos grandiloquentes, lembrando as antigas representações da "Paixão de Cristo" em circos do interior.

É evidente que "Rei Davi" é uma peça de propaganda da Igreja Universal do Reino de Deus, assim como outras séries religiosas já exibidas pela Record. Tentei apagar essa informação da minha cabeça e encarar o programa como puro entretenimento, mas só consegui achá-lo chato.

"O Brado Retumbante" termina com um saldo positivo, principalmente por causa do capítulo de terça passada, focado no filho transexual do presidente Ventura. Essa trama paralela desviou-se do eixo central da série, mas acabou sendo política num sentido mais amplo: o da aceitação da diversidade.

"Rei Davi" ainda está no comecinho e promete muita intriga e confusão, com dezenas de personagens que não existem na Bíblia. Para um não-crente como eu, talvez se torne uma opção divertida para o final da noite. Mas, se a pregação for exagerada, mudo de canal na hora. Minha paciência tem limite para líderes idealizados demais.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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