As novelas, uma arena da moral brasileira
Na reta final das eleições para a Prefeitura do Rio, Marcelo Crivella (PRB), seguro de sua vitória, decidiu faltar numa entrevista ao "RJTV", da Globo.
A apresentadora do telejornal enunciou um longo editorial de repúdio à ausência ao lado da cadeira vazia do candidato, numa imagem que circulou bastante nas redes. Poucos dias depois, Crivella atacava a Globo em seu horário político: "Nós todos sabemos os valores que a Globo difunde em suas novelas e programas".
Por trás do maior conflito político no país desde a volta da democracia, existe uma guerra de valores. A classe média e alta pode estar hoje consumindo as séries da Netflix e da HBO, mas o grosso das classes B, C e D ainda vê muita novela da Globo, da Record e do SBT.
Enquanto a maioria esmagadora das últimas novelas da Globo teve ao menos um personagem gay, a Record investe em produções bíblicas cujo subtexto é a construção de uma moral, uma nova ética para o espectador, não muito diferente daquela pregada nos cultos.
Pode-se pensar que a opinião dos brasileiros sobre os políticos e a corrupção, em pleno desgaste com cada revelação da Lava Jato, parece não ter nada a ver com uma trama que a Globo exibe em horário nobre. Mas tem.
Por conta desse cansaço com o cinismo dos governantes, autores como Gilberto Braga e João Emanuel Carneiro, com tramas cheias de personagens cínicos e ambíguos, andam em baixa. Benedito Ruy Barbosa, o rei dos mitos rurais e de um Brasil profundo esquecido e separado do Brasil urbano, até ganhou uma nova chance no horário nobre. E a nova "A Lei do Amor", que a priori trataria a corrupção como algo mais sórdido, está dando aos seus vilões um tom de novela mexicana, malvados sem meias-tintas, para o público odiar sem medo.
Os próximos novelistas da fila, Glória Perez e Walcyr Carrasco, não são conhecidos pela profundidade de suas histórias. A novela tenta, mais uma vez, ser um antídoto para tempos intragáveis. Mas é um antídoto cada dia mais velho e sem renovação e um pouco de ousadia. Pode até garantir seu mínimo de audiência, mas corre o risco de tombar na irrelevância e não sair mais dela.
Dona Janete, a feminista
Janete Clair não cansa de me surpreender. Quem conhece só de ouvir falar as tramas de "Irmãos Coragem" e "Selva de Pedr"a pode imaginar uma novelista daquelas bem água com açúcar, para as donas de casa que eram mais numerosas no Brasil dos anos 60 e 70. Engano.
A reprise de "Pai Herói" no Viva mostra que Janete abordou a questão da emancipação feminina, do divórcio e dos conflitos pela guarda dos filhos ao mesmo tempo que a série "Malu Mulher", que ficou famosa por quebrar o tabu desses temas na Globo. Ambas são de 1979.
Carina (Elizabeth Savalla) decide voltar a dançar, contrariando a vontade do marido César (Carlos Zara), e os dois se separam. Para enfrentá-la, ele consegue na Justiça a guarda da criança que nem é filha dele, apenas dela. Janete fazia o público sofrer com o alto preço que a emancipação feminina pagava (e ainda paga) num mundo machista.
Outro lance de gênio: já sabia que Carina se reaproximava de André Cajarana (Tony Ramos, e os dois acabavam se apaixonando, mas achei que isso aconteceria de forma convencional. Mas Janete fez André se foragir de um assalto no apartamento dela, bem no momento em que ela afunda em depressão com a perda da filha. Passam-se muitos capítulos dos dois trancados nesse apartamento. E dá-lhe cenas de mais de cinco minutos, com Tony e Savalla intensos como se estivessem no teatro. Taí um recurso que faria bem hoje em dia.
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