Thiago Stivaletti

Em tempos de Petrolão e Lava Jato, novela 'Cambalacho' ganha reprise

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Cambalacho. Trambique. Mutreta. Mensalão. Petrolão. Lava Jato. Quase 30 anos se passaram e o Brasil continua afundado nos cambalachos da vida. Nesta segunda, o Viva começa a reprisar "Cambalacho" (1986), uma das melhores novelas de seu Silvio de Abreu.

Ok, quem tem mais de 40 diz que a obra-prima de Silvio foi "Guerra dos Sexos", exibida três anos antes. Mas eu era muito pequeno. Também tinha só oito anos quando "Cambalacho" estreou, mas de alguma forma eu já pegava o humor da história.

Foi a primeira vez que vi Fernanda Montenegro e Gianfracesco Guarnieri —só anos depois soube que a Globo estava reprisando uma dupla que já tinha dado certo no cinema, no drama sindical "Eles Não Usam Black-Tie" (1981), mas agora fazendo comédia: Naná e Jejê, os "cambalacheiros" de bom coração que enganavam todo mundo, mas por quem a gente torcia.


E foi também a novela de Regina Casé no seu melhor papel de longe até hoje. Albertina Pimenta, a Tina Pepper, sonhava em sair do subúrbio para brilhar como Tina Turner, musa na época. Ela vivia em pé de guerra com a mãe, Lili Bolero, cantora fracassada que jurava que Ângela Maria tinha sabotado uma apresentação sua —que saudades da grande Consuelo Leandro, que fazia a Lili. Rever Tina Pepper vai fazer a gente até perdoar o "Esquenta". Se um dia baixar uma Ana Maria Braga louca, e Regina resolver aparecer no "Esquenta" com a peruca da Tina 30 anos depois, é capaz até de eu falar que o "Esquenta" é legal. Regina, fica a dica.

O conflito da Tina com a mãe tinha uma coisa que nunca mais vi em novela, e que renderia mais umas boas duas ou três tramas: a simpatia (mandinga mesmo), aqueles feitiços que o povo adora, do tipo roubar a cueca do amado para ferver, ou amarrar o nome da suposta cara-metade na boca do sapo.

Claro, na novela as simpatias (que tinham o nome bizarro de salamandra) sempre davam certo. Até que Lili resolve fazer uma contra a filha bem no dia em que ela vai se apresentar no Chacrinha. Sensacional!

Relembre de Tina Pepper na incomparável "Você me Incendeia":


E quem lembra da Physical, uma luxuosa academia que reinava muito antes da era do fitness de hoje, um prédio em forma de pirâmide? Era tão chique que os funcionários distribuíam televisores portáteis numa bandeja aos clientes —pois é, Silvio de Abreu antecipou de alguma forma o iPhone.

E tinha muito mais. Celulari e Débora Bloch como o bailarino Tiago e a mecânica Ana Machadão, que apesar das profissões eram, como se diz hoje, apenas um casal heteronormativo. Natália do Vale ótima como a vilã Andréia Sousa e Silva, que casava com o milionário Antero (Mário Lago), matava o velho numa explosão de barco e passava a novela tentando ficar com a fortuna da pobre Naná. E o que dizer dos "cambalacheiros" Jean Pierre e Armand Grimaldi de la Croix (Luiz Fernando Guimarães e Osvaldo Loureiro), supostos barões franceses, que na verdade eram os suburbanos João Pedro e Armandinho da Cruz?

Só é pena ver que Silvio de Abreu depois largou um pouco as comédias para fazer tramas de suspense ótimas como "A Próxima Vítima", mas que esse humor maravilhoso se perdeu nas novelas das sete, com atores cada vez mais fraquinhos. Vamos esquecer que "Paraisópolis" hoje ocupa o horário. Deprimente.

Meu muito obrigado ao canal Viva, que atendeu os apelos dos noveleiros e programou o horário de "Cambalacho" à noite um pouquinho mais cedo, à 1h da manhã em vez das 2h, jogando pra mais tarde a catastrófica "Despedida de Solteiro". Prometo ir dormir mais tarde e retribuir com audiência todas as noites.

Nota da Redação: Além da 1h, a novela será exibida no Viva às 14h30.


Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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