Novo amor dos chineses por cães pode ter impacto ambiental
Até 10 mil cachorros são abatidos todo mês de junho, no festival de carne canina de Yulin, no sul da China. Os animais são muitas vezes submetidos a torturas horrendas, por culpa do mito de que o tratamento cruel tornaria sua carne mais tenra.
Se, por um lado, a popularidade do "vira-lata assado" se mantém inabalada em Yulin, cada vez mais chineses estão em campanha para proibir a festividade anual realizada no solstício de verão.
Ativistas dos direitos dos animais registram uma reviravolta cultural dramática, envolvendo o crescente caso de amor entre os chineses e as diversas raças caninas, porém, com consequências sensíveis para as emissões de dióxido de carbono do planeta.
Iguaria chinesa em debate
Somente em Pequim, mais de 1 milhão de cachorros foram registrados como animais de estimação em 2012 —ano mais recente para que há números disponíveis—, dez vezes mais do que em 1992.
Recentemente 9 milhões de cidadãos votaram a favor de uma proposta para banir a indústria de carne canina, em enquete publicada no website oficial do governo chinês por um deputado do Congresso Nacional do Povo.
Juntamente com parceiros chineses, o grupo de proteção animal Humane Society International (HSI) iniciou uma campanha exigindo que a proibição da carne de cachorro seja incluída na agenda legislativa de Pequim para 2017.
"O comércio de carne canina é condenado não apenas pela comunidade internacional, mas também por um número enorme de cidadãos chineses", afirmou à DW Wendy Higgins, diretora de mídia internacional da HSI."Agora pode ser que o governo chinês ouça a mensagem."
Sete planetas Terra
Por outro lado, especialistas alertam para o possível impacto ambiental dessa nova relação, que ainda não foi seriamente levado em consideração. Pois animais domésticos contribuem para as emissões de CO2, sobretudo devido a sua dieta basicamente carnívora.
Assim, um acréscimo significativo dos cães caseiros no país mais populoso do mundo poderia implicar um grande aumento da pegada de carbono global.
Segundo dados da firma internacional de pesquisa de mercado Euromonitor, em 2014 cerca de 7% das residências chinesas —30 milhões— possuíam um cão. Na União Europeia, essa taxa é de 20%, e nos Estados Unidos, de quase 50%.
Peritos alertam que não demorará até o volume de "melhores amigos do homem" igualar os do Ocidente.
"Para todas as pessoas no mundo terem um estilo de vida americano, precisaríamos de sete planetas, e de três para viver como europeus", exemplifica Dabo Guan, professor da Escola de Desenvolvimento da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.
"Se cada chinês que vive em cidade passasse a ter um estilo de vida ocidental, as emissões de CO2 do país dobrariam até 2030", complementa.
'Hora de comer o cachorro'
A polêmica noção de cachorros como agentes poluidores começou a tomar forma em 2009, com a publicação do livro Time to eat the dog? The real guide to sustainable living (Hora de comer o cachorro? O guia definitivo da vida sustentável).
Seus autores, Brenda e Robert Vale, sustentam que um cão de porte médio deixa uma pegada de carbono duas vezes maior que um carro com tração nas quatro rodas.
John Barrett, professor da Escola da Terra e Meio Ambiente da Universidade de Leeds, na Inglaterra, concorda com os autores, apesar de ser um apreciador dos cães.
Exatamente como no caso dos seres humanos, a questão é sua dieta à base de carne, que tem efeito imediato sobre as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Entretanto, tanto Barrett quanto Higgins insistem que a maior ameaça ambiental não são os animais de estimação, mas sim os hábitos alimentares humanos.
"Em termos de emissões de CO2, o que realmente faria sentido seria suspender todo tipo de consumo de carne", reivindica Higgins, da HSI.
Dieta vegetariana
Enquanto continuam circulando as histórias de horror do comércio canino, lado a lado com o debate "por que porco e não cachorro", é crescente o número de chineses de classe média ansiosos para ter um cão como companheiro do dia a dia.
Não há dúvida: isso é preferível a ter os animais passando seus últimos dias socados em jaulas minúsculas, tendo as pernas quebradas e sendo espancados até a morte com um cano de ferro, reconhece Higgins.
Os ativistas dos direitos animais e cinófilos concordam que "o melhor amigo do homem" tem um belo futuro à frente, embora talvez tenha que renunciar às refeições mais saborosas e adotar uma dieta vegetariana.
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