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Em crise financeira, Doutores da Alegria lança campanha por doações

'Quando entramos de jaleco e nariz vermelho, abrimos outro olhar da criança para a figura do doutor', diz palhaço; entenda como funciona o grupo

 A imagem mostra um palhaço vestido com um traje de cientista. Ele usa um vestido longo de cor bordô com detalhes em amarelo e uma camisa com estampa de girafa. O palhaço tem cabelo trançado e usa um nariz preto. Ele está posando com as mãos na cintura e uma expressão facial exagerada, em um fundo branco.
O palhaço Filipeuto caracterizado para o trabalho em hospitais - Divulgação
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São Paulo

Fagner Saraiva já tinha mais de uma década de experiência como palhaço quando entrou pela primeira vez na ala infantil de um hospital vestindo os sapatos enormes, o nariz de borracha e um jaleco branco.

O que para ele parecia um cenário adverso para um espetáculo de palhaçaria se tornou o palco mais intimista e criativo em que já pisou.

Em atividade há 33 anos, os Doutores da Alegria hoje são referência em humanização de atendimento hospitalar. No último ano, porém, a instituição enfrentou uma baixa de 75% na captação de recursos, o que afetou parte do trabalho. A entidade sobrevive de doações, sendo a maior parte arrecadada via mecanismos de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet.

O MENOR PALCO DO MUNDO

A rotina de um doutor da alegria começa passando nos balcões da enfermagem para saber como foi a noite anterior: se há alguma situação mais delicada ou uma mãe muito ansiosa, por exemplo. Em seguida, a dupla de palhaços pede licença aos pacientes e entra no quarto sem roteiro pronto. O espetáculo é uma história que vai ser inventada na hora.

"O hospital é o menor palco do mundo, onde temos que ter uma escuta para as reações das crianças. Do nada, um porta soro vira um microfone, a janela vira o foco de luz, a máquina da hemodiálise vira uma máquina do futuro", diz Fagner.

Integrados à equipe interdisciplinar de saúde, os palhaços têm como objetivo tornar mais leve a turbulência e o clima de tensão diários —tanto dos pacientes e suas famílias quanto dos funcionários.

"A criança está o tempo todo esperando uma pessoa entrar de jaleco para furá-la, para causar dor. Quando a gente entra de jaleco e nariz vermelho, abre outro olhar da criança para a figura do doutor", afirma o palhaço. "Essa figura que cai, tropeça, fala errado às vezes, que canta desafinado, que chega no hospital se enganchando numa porta, essa coisa do inadequado tem o poder de ser um espelho do ser humano".

VÍNCULO COM OS PACIENTES

Para fazer essa roda girar, os artistas precisam estabelecer um vínculo de confiança com os pacientes e a equipe. Cada dupla de palhaços fica fixa no mesmo hospital por um ano, onde faz duas visitas semanais.

Com a crise financeira da instituição, as visitas foram reduzidas a uma por semana. "Tenho escutado que parece que falta um pedaço no hospital. É triste não podermos executar nosso trabalho como ele é", lamenta Fagner.

A constância, explica ele, é fundamental para abrir o universo da criança internada para o mundo exterior. "Há crianças que conhecemos quando bebês e hoje têm sete, oito anos. Há pacientes que nunca deixaram o hospital e não sabem como é o mundo aqui fora", diz.

"Já transformamos um quarto em uma nave espacial. Fizemos um eclipse, um debate político, um tobogã. Já fizemos um circo e a criança que estava acamada foi o trapezista."

Para integrar os Doutores da Alegria, os artistas passam por processo seletivo e treinamentos semanais. As visitas são pagas por diária. "Muita gente pergunta porque não somos voluntários. As pessoas se esquecem de que o artista movimenta a economia como todo trabalhador", diz Fagner.

DOUTORES EM CRISE

Segundo o presidente, a operação mensal da instituição gira em torno de R$ 500 mil. Em dezembro de 2023, a captação anual, que costumava ser de cerca de R$ 6 milhões, foi de apenas R$ 1,5 milhão.

Essa baixa resultou na interrupção de projetos de expansão da entidade, como o Festival Miolo Mole, um centro de documentação e memória da instituição e ações de fomento a artistas locais no entorno dos hospitais.

"Estamos vindo de uma sucessão de dificuldades. O último governo fez de tudo para desmontar as estruturas culturais que funcionavam", diz. Durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que fechou o Ministério da Cultura e suspendeu a aprovação de planos anuais para a captação via lei Rouanet, a ONG esgotou seus recursos próprios, de R$ 5 milhões, para cobrir esse déficit.

Outro agravante tem sido uma mudança cultural entre as empresas, que antes costumavam fazer o aporte financeiro de forma anual e passaram a fazê-lo a cada três meses, diversificando os investimentos em projetos sociais. A entidade está agora lançando uma campanha para incentivar doações.

Atualmente, os Doutores da Alegria atendem 18 unidades de saúde públicas na capital paulista, no Rio de Janeiro e em Recife, dando prioridade a hospitais de grande porte que atendem regiões periféricas.

Em São Paulo, por exemplo, estão contemplados o Santa Marcelina, em Itaquera, os hospitais municipais do M'boi Mirim e Campo Limpo, o Hospital Regional de Ferraz de Vasconcellos e o Hospital Geral do Grajaú.

A entidade mantém ainda, há vinte anos, uma escola de palhaços voltada a jovens em situação de vulnerabilidade.

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