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Descrição de chapéu BBC News Brasil

O que aconteceu com o bebê 'milagroso' que sobreviveu ao terremoto da Síria?

Seis meses atrás, Afraa foi retirada dos escombros, ainda presa ao cordão umbilical de sua mãe e quase morta

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Fethi Benaissa
BBC News Arabic

Quando Afraa foi encontrada nos escombros de um prédio desabado na Síria, seu cordão umbilical ainda estava preso à sua mãe, que morreu logo após o parto.

O vídeo do resgate milagroso da bebê após o forte tremor em fevereiro chamou a atenção do mundo inteiro. Desde então, ela teve uma recuperação digna de nota.

Hoje, Afraa tem seis meses e é um típico bebê feliz e saudável.

Bebê Afraa em um balanço vermelho
Seis meses após o resgate, Afraa está saudável e feliz - Mohamed Kfarnabel/BBC

Os tios da menina a estão criando junto com sete filhos na cidade síria de Jindires, não muito longe da fronteira com a Turquia.

"Ela ainda é muito jovem, mas me lembra o pai e a irmã Nawara, especialmente o sorriso. Eles também faleceram no terremoto", diz o tio, Khalil al-Sawadi, embalando a menina sorridente nos braços.

"Eles costumavam passar um tempo na nossa casa. Ela não nos incomoda de jeito nenhum."

Em 6 de fevereiro, logo após o devastador terremoto atingir Jindires, a mãe de Afraa entrou em trabalho de parto e deu à luz sob os escombros de sua casa. Ela morreu antes que os socorristas as encontrassem.

A bebê Afraa foi o único membro da família imediata a sobreviver —o pai, Abu Rudaina, e os quatro irmãos da menina também perderam a vida.

"Vimos que a casa de Abu Rudaina havia desabado", diz Khalil. "Minha esposa começou a gritar: 'Meu irmão, meu irmão'."

Khalil se lembra vividamente do momento em que retirou Afraa debaixo dos escombros: "O telhado havia caído sobre eles. Alguém me ligou e disse que encontraram o corpo de uma mulher. Assim que cheguei, comecei a cavar, então ouvi uma voz. Era a bebê Afraa, que ainda estava ligada à mãe. Estávamos determinados a salvá-la, sabíamos que ela seria a única lembrança que restava da família."

Um vídeo dramático do resgate foi compartilhado e viralizou nas redes sociais. O bebê foi levado ao hospital e inicialmente recebeu o nome de Aya, que significa milagre em árabe.

O médico responsável pelo caso disse que ela tinha inchaços e hematomas e mal respirava. Seis meses depois, essas lesões não são mais visíveis.

"Imediatamente após o terremoto ela teve alguns problemas no peito por causa da poeira dos escombros, mas agora a saúde dela está ótima", diz Khalil.

"Eu a levei ao médico para ver como ela estava e agora a saúde está 100%."

Imagens de drone mostram a extensão da devastação em Jindires
Imagens de drone mostram a extensão da devastação em Jindires - Mohamed Kfarnabel/BBC

Mas os últimos seis meses foram difíceis. Quando Afraa estava no hospital, milhares de pessoas ao redor do mundo se ofereceram para adotá-la, então Khalil e a esposa Hala tiveram que provar que realmente eram parentes próximos antes de poderem cuidar dela. "Senti que eles não queriam deixar Afraa conosco", diz ele.

Hala teve que fazer um teste de DNA. "No começo era apenas um exame de sangue, então cerca de uma semana depois eles nos ligaram novamente. Eles tiraram outra amostra de sangue e cabelo de minha esposa. Demorou quase 10 dias antes de termos uma resposta."

Houve tanto interesse na história de Afraa que Khalil e a família temiam que, enquanto esperavam pelos resultados do DNA, alguém pudesse tentar sequestrá-la.

Eles passaram o máximo de tempo possível no hospital e tomaram precauções extras. "Tanto a polícia civil quanto a militar nos ajudaram a protegê-la", diz. "Eram muitos. Eles ficavam no quarto ao lado de Afraa e cuidavam dela dia e noite."

Casa em Jindires, na Síria
Khalil encontrou um novo lar para sua família, mas está preocupado porque não pode ficar muito tempo em casa - Mohamed Kfarnabel/BBC

Quando os resultados do DNA chegaram, eles confirmaram que Hala era de fato parente —a irmã do pai de Afraa— e a menina teve alta do hospital.

Uma das primeiras coisas que Khalil e Hala fizeram foi dar a ela um novo nome —eles a chamaram de Afraa, em homenagem à mãe.

"Ela é uma das minhas filhas agora", diz Khalil. "Não posso passar muito tempo longe dela."

"Quando ela crescer, vou contar o que aconteceu e mostrar as fotos de sua mãe, pai e seus irmãos. Nós os enterramos no dia seguinte em um vilarejo próximo chamado Hajj Iskandar, onde a Defesa Civil cavou valas comuns."

Hala engravidou ao mesmo tempo que a mãe de Afraa e, três dias após o nascimento de Afraa, Hala também deu à luz uma menina. Eles a chamavam de Ataa em homenagem a outra tia que morreu no terremoto.

Mas a casa deles em Jindires foi tão danificada que eles não puderam mais morar lá. "Havia grandes rachaduras e não era seguro", diz Khalil.

"Perdi minha casa e meu carro, foi como voltar à estaca zero. Não tenho dinheiro nem para mandar meus filhos para a escola."

Eles viveram dois meses numa tenda num acampamento onde a vida era "extremamente difícil, fazia muito calor e tínhamos dois bebês para cuidar".

A família finalmente conseguiu encontrar uma casa para alugar onde moram agora, mas temem não poder ficar por muito tempo. "É muito caro e não sei se conseguiremos mantê-la por muito mais tempo, porque o dono precisa dela de volta", diz Khalil.

Algumas pessoas se ofereceram para ajudá-los a se mudar para os Emirados Árabes Unidos ou o Reino Unido, mas Khalil recusou.

"Honestamente, eu ainda estava preocupado [se fosse para o exterior] que eles pudessem tirar Afraa de nós."

Ele lembra que "há pessoas vivendo em condições piores em Jindires".

Sua cidade natal foi uma das mais atingidas pelo terremoto e milhares de outras famílias se encontraram em uma situação semelhante.

Bombeiro carrega criança em meio a escombros de prédio desabado após terremoto, em Azaz, na Síria
Bombeiro carrega criança em meio a escombros de prédio desabado após terremoto, em Azaz, na Síria - Mahmoud Hassano - 6.fev.23/Reuters

Ao todo, mais de 50 mil pessoas morreram na Síria e na Turquia —pelo menos 4,5 mil no noroeste da Síria, onde cerca de 50 mil famílias também foram deslocadas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

A entrega de ajuda humanitária aos 4 milhões de pessoas que vivem nesta área controlada pelos rebeldes da Síria é extremamente difícil, pois a maioria dos moradores já foi deslocada pela guerra que assola o país há 12 anos.

Este texto foi originalmente publicado aqui.

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