Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Você viu?
Descrição de chapéu The New York Times tiktok

Quem é Khaby Lame, jovem que produz vídeos cômicos e é sucesso no TikTok

Senegalês caminha para ser o criador de conteúdo mais visto da plataforma

Khabane Lame é um fenômeno no TikTok Giorgio Galimberti -4.jun.2021/New York Times

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jason Horowitz Taylor Lorenz
The New York Times

Em março de 2020, durante os primeiros dias da pandemia do coronavírus, Khabane Lame, operário na cidade industrial de Chivasso, no norte da Itália, perdeu o emprego. Ele voltou ao modesto apartamento da família e, a despeito da insistência de seu pai, senegalês, em que procurasse emprego, escolheu dedicar horas, todos os dias, a postar vídeos no TikTok sob o nome Khaby Lame.

Usando recursos oferecidos pelo app de mídia social, como “duet” e “stitch”, Lame, 21, aprendeu a tirar vantagem da popularidade viral de alguns vídeos que ensinam truques, às vezes absurdamente complicados, para realizar tarefas simples, como fatiar uma banana com uma faca ou usar engenhocas esquisitas para calçar um par de meias, e começou a responder a esses “life hacks” com vídeos sem diálogos e muito simples, que o mostram realizando a mesma tarefa de maneira muito menos complicada.

Lame descasca a banana. Calça um par de meias. E quase sempre pontua as brincadeiras com o equivalente visual de um “dã”, estendendo os braços como se dissesse voilà, e revirando os olhos ou meneando a cabeça expressivamente.

Os primeiros vídeos dele eram quase todos em italiano e legendados em italiano; às vezes Lame falava alguma coisa em seu idioma natal. Mas foram os vídeos sem falas, mostrando suas reações expressivas a coisas como garfos transformados em colheres com a ajuda de fita adesiva, ou defendendo a santidade da pizza italiana contra um vídeo que propõe coberturas feitas com confeitos Sour Patch Kids, que levaram Lame à fama em todo o mundo.

Com 68,2 milhões de seguidores no TikTok, um total que cresce a cada dia, se ele continuar a adquirir seguidores em seu ritmo atual, ou próximo a ele, em breve se tornará o criador de vídeos mais assistido da plataforma. (No momento o posto pertence a Charli D’Amelio, 17, que tem 117 milhões de seguidores.)

“Meu rosto e minhas expressões fazem as pessoas rirem”, diz Lame em uma entrevista no dia 2 de junho (a data de criação da república italiana, que é feriado na Itália). Suas reações mudas, ele diz, “são uma linguagem mundial”.

A ascensão meteórica de Lame como criador de conteúdo é especialmente notável porque seu trabalho não tem a produção esmerada associada a muitos dos astros atuais do TikTok, diversos dos quais terminaram abraçados por Hollywood.

Ele não encontrou sucesso ao trabalhar em uma collab house com outros jovens na casa dos 20 anos, ou confiando em crescimento artificial, por meio da compra de seguidores ou views. Sua ascensão foi totalmente orgânica.

O segredo do sucesso de Lame é que ele representa muito bem o homem comum e exasperado. “O conteúdo dele meio que desmonta, ou zomba, da tendência a uma produção exagerada que tomou a mídia social, seja nos ‘life hacks’, seja em outras coisas”, diz Samir Chaudry, fundador do The Publish Press, um boletim noticioso sobre o lado econômico dos criadores de conteúdo.

“Ele praticamente representa a autenticidade, em contraposição à produção. Acho que isso é muito atraente para as pessoas, a sensação de que ele não está tentando ser mais do que é. É algo que parece autêntico."

Cerca de 40 dias atrás, quando Lame chegou aos 10 milhões de seguidores, “percebi que as coisas estavam indo bem”, diz. Agora, com mais de 65 milhões de seguidores, criar vídeos é seu trabalho em tempo integral.

ALCANCE MUNDIAL, DA ITÁLIA

Admiradores de Lame mantêm páginas para fãs em inglês, alemão, árabe, português, espanhol e outros idiomas. Criadores famosos de vídeos para o YouTube, como King Bach, o contataram para propor colaborações, e ele está ganhando algum dinheiro por meio do Creator Fund, do TikTok, e trabalhando com marcas, entre as quais a fabricante italiana de massas Barilla.

“Porque me tornei um astro internacional”, ele diz, “a demanda por mim cresceu”. Mas embora Lame seja conhecido internacionalmente como italiano, ele tecnicamente não é reconhecido como italiano na Itália.

Que ele não tenha se tornado cidadão do país, onde mora desde que tinha um ano de idade, apesar de ter estudado lá e de ser torcedor fervoroso da Juventus, “é definitivamente errado”, diz. "Sinceramente, não preciso de um pedaço de papel para me definir como italiano", afirma ele, acrescentando que não ter passaporte italiano não havia lhe causado problemas. “Pelo menos até agora”, diz Lame.

Um efeito colateral inesperado da ascensão de Lame no TikTok é que isso expôs a vulnerabilidade criada por sua falta de cidadania italiana. Que ele seja portador de um passaporte senegalês torna mais difícil obter um visto para os Estados Unidos, diz Lame. Ele ainda está lidando com a burocracia italiana e com a papelada necessária para obter cidadania.

Khaby Lame virou um fenômeno no TikTok - Giorgio Galimberti -4.jun.2021/New York Times

A cidadania italiana se baseia na ascendência italiana e só pode ser obtida por filhos de imigrantes aos 18 anos, desde que eles tenham vivido no país desde que nasceram. Para quem não nasceu na Itália, o processo pode demorar muito mais.

Legisladores liberais, apesar de sua forte influência no governo, optaram por deixar de lado esforços anteriores para mudar a lei e facilitar a naturalização de imigrantes e de seus filhos que vivem há muito tempo na Itália.

"Não sou prefeito, sou ninguém, e não posso mudar as leis", diz Lame, sentado no escritório de seu empresário em Milão, ao lado de um boneco do Homem de Ferro. Lembrado de que a maioria dos legisladores não tem 60 milhões de seguidores, ele abre um largo sorriso e acrescenta que “talvez as coisas mudem com a minha popularidade. Com a minha influência."

Celebridades e outras pessoas influentes certamente estão atentas à sua ascensão. Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, comentou com um emoji que mostra polegares erguidos um post recente de Lame no Instagram.

Em 19 de maio, Lame apareceu com Alessandro del Piero, lendário astro de sua amada Juventus. Influenciadores o procuraram, convidando-o para colaborações. Ele tem muitos seguidores no Brasil e nos Estados Unidos, e usa as camisas das seleções de futebol dos dois países com frequência.

Lame também é imensamente popular no Senegal, onde é comentado com frequência na televisão. Lame comenta que “sou mais seguido no exterior do que na Itália”. Mas ainda assim, ele diz, fãs o param na rua e em restaurantes, pedindo selfies. “Tenho muita influência na Itália”, afirma Lame.

Mas não, ele reconhece, nas primeiras páginas dos jornais e revistas ou nos noticiários de televisão, mídias que já foram conquistadas por Chiara Ferragni, influenciadora que talvez possa ser considerada a mulher mais poderosa da Itália, e que está testando as águas da política e do mundo dos grandes negócios.

No final de abril, Lame ultrapassou Gianluca Vacchi como personalidade italiana mais popular do TikTok. Vacchi, 53, renomado por suas coreografias e estilo de vida exagerado, é o herdeiro fabulosamente rico de um magnata da indústria de plásticos.

Ele se preocupa obsessivamente com a forma física, tem tatuagens abundantes e é casado com uma modelo de 26 anos. Riggio Alessandro, o empresário de Lame, era empresário de Vacchi no passado.
Enquanto Vacchi representa uma forma de vida luxuosa frequentemente associada à extravagância italiana, Lame muitas vezes grava vídeos no quarto modesto que divide com seu irmão mais velho.

O quarto tem como decoração uma bandeira do Senegal e um cachecol da Juventus. Ele gravou muito de seus vídeos com um celular antiquado, e a iluminação não é ótima. Mas é disso que as pessoas gostam.

“Creio que o problema que as pessoas estão começando a ver nos grandes influenciadores é que eles estabelecem certos padrões de aparência, do que é cool e não é", diz Adam Meskouri, 17, estudante e criador de vídeos para o TikTok em Birmingham, Michigan.

"E aí aparece Khaby e ele é só um cara normal. Isso é refrescante de ver. É mais fácil se identificar com ele do que com a maioria influenciadores famosos."

Chaudry, da The Publish Press, aponta que as três criadoras de vídeos que têm mais seguidores do que Lame —D’Amelio, Addison Easterling e Bella Porch— oferecem conteúdo "com produção muito apurada".

"A oportunidade de se conectar a alguém que não é enturmado, não conta com muita produção e parece muito real, é uma justaposição do que estamos vendo no espaço da mídia social", diz.

MATERIAL PARA MEMES

Além dos vídeos em que ele "meneia a cabeça" desaprovando alguma coisa, o conteúdo de Lame consiste principalmente de homenagens à sua namorada e a um grupo estreito de amigos. Alguns de seus vídeos, embora não causem confusão na Itália, não seriam aceitáveis nos quadrantes mais progressistas dos Estados Unidos e da Europa.

Em um deles, ele mostra a imagem de uma mulher voluptuosa que pergunta “o que você faria, se tivesse 24 horas comigo?”, e em seguida faz uma lista de todas as partes da casa que ele a mandaria limpar.

Em outro, ele zomba de uma mulher que se queixou de ser chamada de “mocreia velha” no TikTok; em ainda outro, ele se aproxima de uma mulher chorosa aparentemente para consolá-la, mas na verdade entrega um prato para que ela lave.

Parte do sucesso de Lame se deve ao fato de que o conteúdo que ele gera surge pronto para a máquina de agregação da internet. Pessoas criam compilações de seus vídeos no YouTube, e elas atraem milhões de visitas.

O conteúdo de Lame também é perfeito para páginas de memes. Muitas páginas de memes baixam seus vídeos do TikTok e os postam no Instagram, para facilitar o acesso, ou usam imagens do rosto de Lame para expressar reações.

Os vídeos dele também são frequentemente reproduzidos no Twitter, onde se espalham ainda mais.
Nos Estados Unidos, muitos criadores negros de conteúdo para o TikTok se queixaram nos últimos 12 meses sobre a dificuldade de receber crédito por tendências online que eles criaram, e sobre o racismo que sofrem.

Italianos negros famosos, como Mario Balotelli, no passado o futebolista negro mais famoso do país, também falam sobre os anos de racismo que tiveram de encarar. Mas Lame diz que sua experiência é diferente. "Meus amigos sempre me protegeram", diz. "Nunca tive problemas desse tipo. Ninguém ousou me insultar, porque éramos um grupo unido e sempre fui muito respeitado."

Lame diz acreditar que suas expressões faciais cômicas e a simplicidade de seu conteúdo ajudaram em seu rápido crescimento. Ele também posta com frequência —quase todo dia no TikTok e o dia inteiro, todo dia, no Instagram.

“O segredo é perseverar, acima de tudo”, ele diz. Ainda que Lame possa em breve se tornar o astro do TikTok com maior número de seguidores no planeta, ele insiste em que não vê os demais criadores de conteúdo do TikTok como concorrentes.

Ele afirma que não costuma ver muito conteúdo de Charli D’Amelio (mas Dixie D’Amelio, a irmã dela e também uma criadora famosa de vídeos, segue Lame, e ele igualmente a segue). "Fico feliz por ser o primeiro na Itália, mas não comecei no TikTok por isso", diz.

O que ele queria era fazer com que as pessoas rissem, como seus ídolos Will Smith, Eddie Murphy e o ator Checco Zalone, da Apúlia, conhecido por suas comédias italianas exageradas. Lame diz que a sua esperança era um dia se juntar a eles.

Ele está ganhando dinheiro regularmente, mas ainda não faturou o suficiente para realizar seu sonho de comprar uma casa para a mãe. “Quem sabe no futuro."

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem