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A jovem norueguesa que monitora 450 perfis no Instagram para tentar evitar suicídios

A jovem norueguesa
Ingebjørg quer poder tirar o peso de monitorar essas contas de Instagram que encontrou e seguir em frente com sua vida - BBC News Brasil
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Descrição de chapéu BBC News Brasil

Alerta: O texto contém conteúdo gráfico que pode causar desconforto emocional

Enquanto dá uma olhada no seu feed de Instagram, Ingebjørg Blindheim, de 22 anos, explica por que lhe deram o apelido "a salva-vidas". "Vejo muitas pessoas que querem morrer", explica a jovem norueguesa.

"Não vou apenas ficar vendo uma pessoa dizer que vai se matar, ignorar isso e esperar pelo melhor."

Intervir para ajudar usuários suicidas do Instagram não é um papel Ingebjørg teria escolhido para si. Ela não trabalha para uma empresa de redes sociais, e ela não é paga pelo que faz. Ela tampouco é qualificada para oferecer ajuda, nunca recebeu treinamento em saúde mental. No entanto, ela se sente compelida a agir, ao se dar conta de que muitas vezes ela é a última chance para aqueles que postam seu desespero online.

"Sinto que quando não estou ao telefone monitorando, as pessoas podem fazer algo com elas mesmas e ninguém verá", ela diz.

Isso implica monitorar o Instagram constantemente, identificando aqueles que estão próximos de alertar a polícia e os serviços de ambulância. Ela admite que tem noites de insônia. Ela sabe que estar tão distraída pelo celular pode irritar familiares e amigos, mas ela se preocupa que, sem sua vigilância, alguém poderá morrer. "Acaba mal. Já acabou mal antes", ela diz.

 

Atualmente, Ingebjørg monitora cerca de 450 contas privadas de Instagram —aquelas que precisam de aprovação dos donos para poder segui-las. A maioria delas pertence a jovens mulheres que publicam posts sobre seus sentimentos mais obscuros. Há alguns meninos também. É um mundo secreto de pensamentos privados, imagens e confissões governadas por uma regra não escrita de "não dedure".

Quando ela liga para a polícia, toma cuidado para não dizer muito sobre a comunidade para não alienar seus membros. Ela diz que se sente como uma detetive, se esforçando para conseguir o máximo de informações possíveis sobre um usuário anônimo.

No Brasil, o CVV (Centro de Valorização da Vida) dá apoio emocional e prevenção do suicídio com atendimento voluntário e gratuito. As conversas se dão sob total sigilo, por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. A ligação é gratuita. O número é 18, válido para todo o Brasil. Também é possível acessar o site do CVV para acessar o chat.

A reação que ela recebe de profissionais é mista. Às vezes a agradecem por agir, outras vezes não acreditam nela. Mais cedo nesse ano, Ingebjørg diz ter tentado fazer com que a polícia interviesse no caso de uma garota que dizia que iria tirar a própria vida. Ela conta que os policiais disseram que a garota havia ameaçado fazer isso 16 vezes antes e eles não acreditavam nela. Mas ela relata que no dia seguinte, ligaram para Ingebjørg para dizer que a garota havia concretizado sua ameaça.

"Eu implorei para eles checaram se ela estava OK, mas eles não me levaram a sério", ela diz.

Essa jovem noruguesa sabe do poder de compartilhamento online por experiência própria. Como uma jovem adolescente lutando com distúrbios alimentares, ela começou a seguir contas do Twitter que postavam abertamente sobre sua anorexia e automutilação.

"Vi que recebiam muita atenção de pessoas que entendiam e se importavam e eu queria a mesma coisa porque não sentia o mesmo em relação a minhas amigas", ela diz.

Esse apoio é o que usuários pensam ser a parte positiva das comunidades online. Ingebjørg diz que podem ser um lugar para ouvir e ser compreendida por outros, especialmente quando adultos e profissionais de saúde às vezes aparentam não ligar ou ter julgamentos.

Mas o que essas redes no Instagram não são é um lugar seguro. Qualquer coisa boa que as pessoas podem encontrar nelas acaba descompensada pelas coisas negativas, diz Ingebjørg.

Há recompensas para postagem de pensamentos e imagens extremos —quando mais dark o pensamento, quanto mais profundo o corte, mais atenção você recebe, ela diz. Podem abrigar um senso de competição, e atuar como um manual de formas de se machucar ou até se matar.

"Eu acho que comunidades fazem as pessoas piores porque elas dão ideias sobre como você pode se matar, passar fome ou se livrar da comida que você come, e como você pode esconder sua doença das pessoas", diz Ingebjørg.

Depois de postar fotos de seu corpo desnutrido no Twitter, Ingebjørg foi contatada por uma terapeuta que a alertou que as imagens estavam encorajando os outros.

Ela diz que os automutiladores que ela conhecia migraram do Twitter para o Instagram e ficou mais fácil esconder o que estavam postando de pessoas das quais elas não queriam que vissem o conteúdo.

Quatro anos atrás, Ingebjørg e sua melhor amiga de 15 anos estavam sendo tratadas por seus problemas de saúde mental.

As duas receberam alta na mesma época. Ingebjørg estava confiante de que melhoraria, mas sua amiga ameaçou se matar caso fosse mandada para casa. A menina postou uma foto de trilhas de trem, e Ingebjørg ligou pra ela implorando que não fizesse nada. Sua amiga garantiu que não faria nada, mas horas depois, Ingebjørg recebeu a notícia de sua morte.

"É por isso que estou fazendo as coisas que faço", diz.

"Prometi para mim mesma que, depois que perdi minha melhor amiga, eu faria qualquer coisa para prevenir as pessoas de sentirem a mesma coisa que eu senti quando aquilo aconteceu", ela diz.

A INVESTIGADORA

Enquanto Ingebjørg monitora sua rede de Instagram de casa, em Bergen, do outro lado da Noruega, na capital Oslo, uma jornalista investigativa também está monitorando esse mundo fechado e perturbador.

Annemarte Moland trabalha para a emissora de rádio e TV do governo norueguês, a NRK, maior organização de mídia da Noruega. Ela se deparou com a comunidade online há um ano, quando viajou para uma pequena cidade norueguesa para pesquisar sobre o caso de três adolescentes que se mataram. Uma das garotas tinha uma conta privada do Instagram onde ela havia compartilhado pensamentos de suicídio e automutilação.

"A polícia me contou que ela tinha 100 seguidores pelo país, mas não fizeram mais a respeito", diz Annemarte.

"Eu pensei: que estranho. Cem seguidores? Quem são essas pessoas?"

Depois que a história foi publicada, Annemarte foi abordada por uma jovem mulher que lhe contou que havia ao menos 10 outras garotas nessa mesma rede de Instagram que também haviam se matado.

Percebendo que havia tropeçado em uma história muito maior, a jornalista tentou entrar em contato com essa rede secreta. No começo, ela criou um perfil falso usando imagens dark, mas sem violência, para se conectar com outras garotas.

Annemarte ficou surpresa ao ver como o Instagram recomendou dezenas de perfis para que ela seguisse. As contas tinham material de automutilação e suicídio.

'EU PERDI MINHA FILHA'

A jornalista seguiu em frente, tentando confirmar os suicídios, procurando e ligando para todos os familiares. Isso levou ela até Heidi, cuja filha, Andrine, havia tirado sua própria vida dois anos antes, pouco antes de seu aniversário de 18 anos.

Quando Heidi disse que ainda tinha o celular de sua filha, mas não havia tocado nele desde sua morte, Annemarte se deu conta de que aquele poderia ser um caminho para entrar na rede.

"Heidi disse: 'Sempre soube que havia algo no celular dela que eu não queria ver'", diz Annemarte, relembrando a cena.

Annemarte estava em seu escritório em Oslo e Heidi em sua casa na cidade de Tromso, no norte da Noruega. A jornalista lhe aconselhou a não ligar e ver o celular sozinha, mas Heidi se sentiu compelida a fazê-lo. Ela sabia que sua filha havia tido uma vida secreta no Instagram porque alguns de seus amigos online haviam lhe contatado depois de sua morte. Mas ela não estava preparada para ver as imagens gráficas que sua filha havia postado.

"Heidi me ligou e me disse que Andrine havia se matado online", diz Annemarte. "Ela documentou tudo —cada segundo de seu suicídio."

Logo depois, Heidi viajou a Oslo para analisar a conta de Instagram de Andrine com Annemarte.

"Eu encontrei fotos, vídeos, textos. Alguns eram engraçados. Em alguns, era bom ver o que ela vivia, porque ela era tão alegre, e mostrava essa parte sua ao lado da parte triste", diz Heidi.

Mas outros posts foram muito tristes de ver, como um mostrando nada além de uma tela preta e o som de Andrine chorando. Heidi encontrou fotos de grave automutilação e vídeos em que Andrine dizia não aguentar mais, dizia querer morrer. Os posts mais difíceis de ver eram aqueles que documentaram as últimas horas antes do suicídio de Andrine.

"Era quase como se ela estivesse gritando sua morte", diz Heidi.

Do telefone de Andrine, Annemarte começou a construir uma ideia de como outras pessoas jovens eram dentro dessa rede obscura do Instagram.

REDE DE SUICÍDIO

Andrine tinha cerca de 130 seguidores, algo que Annemarte diz que é típico para uma conta norueguesa. Analisando os seguidores dos seguidores de Andrine, a jornalista conseguiu identificar 26 mil contas no total. Daqui, ela removeu todas as contas que eram públicas, reduzindo o número para 5 mil. Ela filtrou mais ainda sua pesquisa focando só nas contas que usavam imagens, palavras ou emojis depressivos.

Ela diz então ter encontrado mais de mil contas depressivas similares, isso só a dois passos do perfil de Andrine. Isso inclui jovens mulheres e adolescentes de ao menos 20 países, incluindo a Dinamarca, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Estados Unidos.

Então, Annemarte e seus colegas analisaram essas contas e conseguiram identificar padrões. A maior parte das contas eram de jovens mulheres com idade média de 19. Muitas pareciam ter alguma espécie de problema de saúde mental, que vão desde sentir-se um pouco triste até depressão severa e ansiedade. Muitas já tinham sido internadas em hospitais.

Um gráfico que a NRK produziu mostra a rede espalhada pelo mundo como uma teia de aranha, com Andrine no centro.

Como Ingebjørg, Annemarte consegue ver por que é atrativo. Entre publicação de automutilação e morte, as garotas se comportam como adolescentes normais, compartilhando imagens de roupas novas ou vídeos seus dançando.

"Há muito apoio e atenção", diz Annemarte.

"Em comum, todas acreditam não conseguir ajuda em outros lugares. Então elas se encontram para tentar se ajudar e se apoiar em seus dias mais escuros."

Mas a jornalista também consegue ver o perigo da rede. Ela notou como os materiais mais "dark", de suicídio, recebem mais atenção. Apoiadores postam emojis de coração e frases como "mantenha-se forte" e "segure firme".

"É a versão contrária de dar apoio de fato porque são garotas doentes tentando ajudar garotas doentes. Estão no lugar reverso", diz Annemarte.

Porque a rede é tão privada, não há vozes de fora moderando o conteúdo ou dando ajuda ou conselhos profissionais. Depois de passar um tempo dentro da rede, a jornalista começou a sentir que as meninas estavam sem querer encorajando umas às outras para agir em relação a seus pensamentos suicidas.

"Senti que elas estavam empurrando umas às outras cada vez mais para perto do abismo. Mas quando elas chegam até à beirada, todas dizem: 'Ah, não, não faça nada. Fique viva'", ela diz.

Heidi diz acreditar que esse comportamento de manada teve um efeito relevante em Andrine.

"Eu acho que aquela comunidade era tudo para ela. Acabou mal porque, por ser jovem, ela era encorajada facilmente por outras pessoas", diz.

Durante a investigação de um ano, Annemarte confirmou que ao menos 15 meninas da rede mapeada pela NRK tiraram suas próprias vidas.

"Estão brincando com suas vidas", ela diz sobre a comunidade como um todo.

"Se alguém se corta, ganha vários corações e curtidas. Como você pode curtir a foto de alguém que fez um corte profundo em seu próprio braço?"

RESPOSTA DO INSTAGRAM

Desde fevereiro, o Instagram baniu todas as imagens com conteúdo violento de automutilação e restringiu vídeos e fotos com temas suicidas. A decisão se deu depois da morte de uma adolescente britânica, Molly Russell, que se matou em 2017 depois de ver conteúdo gráfico na plataforma.

No mês passado, a empresa americana estendeu essa proibição e incluiu memes, desenhos e animações que promovem o suicídio ou mostram métodos de suicídio e automutilação.

Para Annemarte, no entanto, essas medidas não vão muito longe. Embora haja menos conteúdo de violência gráfica no Instagram desde a proibição, ela diz que os membros da rede encontraram formas de burlar as restrições.

"Ainda está no Instagram, mas mais 'underground'. É menos gráfico, mas ainda com mais tendências suicidas", ela diz.

"Quando meninas postam suas tentativas de suicídio, elas postam imagens ilustrativas de seu dia a dia, talvez uma imagem delas mesmas deitadas na cama, em cima de um texto que diz: 'Esse é meu último dia. Não quero mais viver'."

A jornalista também se preocupa porque o Instagram continua a recomendar usuários que postam conteúdo danoso a outros usuários — algo que o Instagram disse, em fevereiro, que deixaria de fazer.

"Já vimos meninas tentando se matar e no mesmo dia sendo recomendadas a outras meninas com inclinações suicidas. Então a rede continua crescendo dessa maneira", diz Annemarte.

O Instagram respondeu dizendo que reconhece que a questão de saúde mental é uma questão complexa, e que precisam abordá-la de maneira balanceada.

"Acreditamos fundamentalmente que há um lugar no Instagram para se expressar, mesmo que você esteja passando por um mau momento", diz Tara Hopkins, chefe de políticas públicas para a Europa, Oriente Médio e África.

"Mas temos que conseguir o equilíbrio correto entre garantir que há espaço para a expressão e garantir que estamos protegendo as pessoas de ver o que potencialmente pode ser danoso ou perturbador", ela diz.

Hopkins diz que o Instagram está constantemente em contato com especialistas em saúde e ONGs que aconselham a empresa a remover todas as referências ao suicídio e automutilação que poderia estigmatizar a saúde mental.

Ao mesmo tempo, ela diz que o site usa uma combinação de moderação feita por seres humanos e por máquina (machine learning) para identificar e remover material danoso antes de reportá-lo. Hopkins diz que é essencial que usuários denunciem conteúdo perturbador para que a empresa aprenda com as reclamações.

Em resposta à preocupação de Annemarte de que o Instagram está continuando a recomendar contas perigosas, Hopkins diz que, quando uma conta é marcada, ela não é recomendada a outros usuários.

"Nosso trabalho nunca vai terminar porque escolhemos tomar medidas muito detalhistas e balanceadas", diz. "Estamos comprometidos no Instagram a acertar e garantir que temos o equilíbrio correto."

Mas Heidi e outros pais dizem acreditar que suas filhas não estariam mortas se não tivessem utilizado o Instagram.

"Quando eu vejo o que foi publicado e o quão ativa Andrine era na comunidade do Instagram, e ouço o que as outras garotas disseram, eu percebo que o Instagram basicamente tirou a vida da minha filha. É o que eu sinto", ela diz.

"Porque todas as outras garotas no Instagram eram como seu público. Ela tinha alguém para quem mostrar tudo. Então sinto que se ela não tivesse Instagram, ela poderia ter buscado mais ajuda na vida real."

Ingebjørg diz que tem uma questão maior para ser endereçada. Deletar contas de Instagram, diz ela, transferiria o problema para outras plataformas de redes sociais.

"Apenas vai fazer elas encontrarem novas comunidades ou novos sites. Eu acho que o sistema de cuidado com a saúde tem que ser melhor para que as pessoas não sintam que têm que postar coisas. Podem falar com um terapeuta ou um membro da família em vez de postar."

A NRK publicou sua investigação revelando a existência da rede, e o processo lançou luz sobre o trabalho de Ingebjørg.

O Ministro da Saúde da Noruega disse à NRK que ele não tinha conhecimento sobre a rede de suicídio da plataforma, e disse que uma nova estratégia de prevenção ao suicídio teria que ser feita. Ele também disse que pediu às unidades psiquiátricas para consultar jovens sobre como melhorar a confiança em seus serviços.

Ingebjørg quer poder tirar o peso que ela colocou sobre si. Ela queria seguir em frente com sua vida e concretizar sua ambição de virar uma enfermeira de pacientes com câncer.

Heidi diz esperar que a publicidade sobre a investigação ajude a salvar vidas.

"Não falava com Andrine sobre o Instagram porque tinha medo de que ela ficasse brava e se automutilasse mais. Mas me arrependo de não ter feito isso. Para outra mãe, eu diria: 'Não cometa o mesmo erro. Converse com a sua filha, converse sobre isso'."

Reportagem e entrevistas por Catrin Nye e Edward Main para o programa Victoria Derbyshire e para a BBC Trending. Texto online por Joanna Jolly. Investigação original da NRK conduzida por Annemarte Moland, Ruben Solvang, Even Kjolleberg e Ståle Hansen.

BBC News Brasil
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