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Parque com réplica de Arca de Noé processa seguradora por danos causados pela chuva

Ark Encounter teme ser destruído por 'dilúvio'

A arca de Noé em tamanho real que foi construída em parque americano
A arca de Noé em tamanho real que foi construída em parque americano - Reprodução/Instagram/arkencounter
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Karen Heller Eli Rosenberg

É uma das histórias clássicas do planeta. Uma arca gigantesca, construída com a ajuda de um poder superior, serviu de refúgio simbólico contra as depravações da humanidade. Trata-se de uma estrutura imensa e grandiosa, construída de madeira, talvez maior do que qualquer construção comparável no planeta. E, então, chuvas pesadas começaram a cair, inundando a terra ao seu redor. 

Foi aí que os donos chamaram os advogados. E não estamos falando do Gênese. 

O Ark Encounter, um parque temático e monumento ao fundamentalismo cristão de custo multimilionário, cuja peça central é uma réplica da Arca de Noé, está processando suas seguradoras por causa de danos causados pela chuva.

A operadora, Crosswater Canyon, quer recuperar danos que estima em US$ 1 milhão, além de honorários de advogados e custas, e solicita também uma indenização punitiva de valor não especificado. A ironia não escapou às organizações locais de mídia e observadores da mídia social.

A American Atheists, uma organização de ateus americanos, brincou sobre o fato no Twitter. O capítulo em questão começou em 2017, quando o norte do Kentucky foi varrido por chuvas fortes, ainda que elas não tenham durado 40 dias e 40 noites, no caso.

De acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia americano, as precipitações intermitentes em 2017 chegaram a entre 100 e 125 centímetros de chuva em Williamstow  – a cidade onde fica o parque temático– uma média apenas ligeiramente superior à usual. 

Mas uma encosta ao lado de uma estrada de acesso a leste da Arca começou a tombar em maio, em um "deslizamento de terra" significativo que derrubou uma barreira na lateral da estrada, de acordo com o processo.

O parque temático reportou o dano sofrido às suas seguradoras. Engenheiros contratados pelo parque recomendaram que a barreira fosse substituída por um muro de arrimo com colunas de concreto vazado, para impedir novos danos, e o parque temático também repavimentou e reparou trechos da estrada, nivelou a área e melhorou a drenagem. O custo total dessas obras foi de cerca de US$ 1 milhão, segundo informações que constam no processo.

entrada do parque ark encounter
Parque nos Estados Unidos tem réplica da arca de Noé como atração principal - Reprodução/Instagram/arkencounter

Mas as seguradoras negaram pagar pelas melhoras, afirmando que a apólice continha uma cláusula de exclusão quanto a defeitos de projeto ou falhas humanas na construção. Os dois lados discutiram a questão, de acordo com a queixa, e as seguradoras terminaram pagando "uma porção muito pequena" do que o Ark Encounter reivindicava.

Mas a empresa afirma que elas "violaram suas obrigações contratuais, agiram de má fé e violaram as leis do Kentucky por não oferecer cobertura adicional". O processo foi aberto na quarta-feira (29) em um tribunal estadual de primeira instância no Kentucky. A Allied World Assurance e três outras seguradoras são as acusadas –nenhuma das quais respondeu a pedidos de comentário.

O Ark Encounter, um empreendimento de US$ 120 milhões no qual os ingressos para adultos custam US$ 48, foi inaugurado em 2016, com um zoológico, tirolesas e um restaurante, além da réplica da arca, com altura equivalente a cinco andares.

O projeto foi concebido por Ken Ham e sua igreja, Answers in Genesis, também responsável pelo Museu da Criação. Ham, que é cristão fundamentalista e adepto do criacionismo, argumenta que a Bíblia é uma narrativa histórica que deve ser aceita literalmente.

Ele acredita que dinossauros e humanos conviveram e que o dilúvio bíblico criou o Grand Canyon. E sustenta que Noé trabalhou por sete décadas para construir sua embarcação, e tinha 600 anos de idade quanto o dilúvio chegou. Ele não respondeu a pedidos de comentários enviados por intermédio de Melany Etheridge, porta-voz do Ark Encounter.

"O processo fala por si", afirma um comunicado que ela distribuiu em nome do parque. "Os hóspedes do Ark Encounter não foram afetados pelas obras realizadas na estrada de acesso. O horário de funcionamento nunca foi afetado".

O parque temático causou controvérsia considerável em sua inauguração, com foco principalmente nas origens de seu capital, que inclui US$ 62 milhões em títulos de dívida municipal de risco emitidos pelo governo de Williamstown. 

A organização de defesa das liberdades civis ACLU e outras organizações afirmaram que a Answers in Genesis não era elegível para subsídios estaduais e municipais, por suas práticas discriminatórias de contratação. 

Como condição para que sejam empregados, os 900 trabalhadores do parque, entre os quais 350 contatados sazonalmente, precisam assinar uma declaração de fé por meio da qual rejeitam a teoria da evolução, declaram que comparecem regularmente à igreja e que consideram a homossexualidade como pecado.

A história da Arca de Noé é parte do Velho Testamento, no livro do Gênese. Conta que Deus optou por exterminar todas as criaturas da Terra por seus malefícios, por meio de uma inundação, exceto Noé e os animais que ele transporta em sua arca. "O Senhor lamentou ter feito os seres humanos", afirma uma tradução da Bíblia, no trecho que explica os motivos de Deus para o dilúvio. 

The Washington Post, tradução de Paulo Migliacci

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