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Desafio chama internauta a compartilhar as capas de seus livros preferidos nas redes sociais

Brincadeira no Instagram pode ser deliciosa e mostrar mais de você

Livros mostrados por participantes do desafio nas redes sociais
Livros mostrados por participantes do desafio nas redes sociais - Reprodução New York Times
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Guy Trebay

Bobinhos mas irresistíveis, como correntes de cartas e pesquisas online, a maior parte dos desafios que circulam pela internet são como os mafiosos comandados por Michael Corleone em “O Poderoso Chefão - Parte 3”. Você imagina que conseguiu escapar, mas eles não demoram a atraí-lo de volta. Como regra, evito essas sedutoras armadilhas devoradoras de tempo. Mas lá estava eu, vasculhando o Instagram pela 10ª vez naquele dia, quando tropecei no Seven Day Book Cover Challenge e fui fisgado na hora.

Na verdade, não fui exatamente fisgado. O inócuo jogo, que pede aos participantes que postem a foto de uma capa de livro a cada dia na plataforma de mídia social, por uma semana, requer convite —afinal, é um desafio. E por que ninguém havia me convidado, decidi pedir um convite.

A pessoa que abordei foi o estilista e ilustrador de moda Bill Mullen, cujo feed divertidíssimo —uma combinação de lembranças, comentários sobre estilo e relato sombrio sobre a reforma infernal no apartamento de uma vizinha de cima a quem ele chama de Minnie Castavet— é uma atração irresistível para as pessoas que vêm aderindo à tendência cada vez mais forte de usar o Instagram para postar textos longos.

BRINCADEIRA LITERÁRIA

Mullen havia sido desafiado por @thebookmarc, a loja online de livros do império do estilista Marc Jacobs, e seus posts diários sobre livros tendiam irresistivelmente ao excêntrico e ao obscuro. 

No primeiro dia, ele postou a imagem de uma cópia amarelada de um livro de bolso chamado “The Velvet Underground”, uma investigação publicada em 1963 sobre o “comportamento aberrante”, ainda que consensual, de alguns adultos; ele escolheu como acessório para complementar a imagem uma coleção de brinquedos sexuais que pareciam doloridos. O segundo dia destacava uma mistura de biografia por fã e desmistificação do grupo Blondie, escrita pelo grande Lester Bangs, crítico de rock cuja morte continua a ser lamentada, trazendo na capa uma foto de juventude de Debbie Harry.

No terceiro dia, ele postou uma edição antiga dos desenhos de Charles Addams, e ao lado dela uma cópia de “Hollywood Babylon”, de 1965, o lascivo (e factualmente dúbio) relato de Kenneth Anger sobre o mundo do cinema e a vida sórdida de seus habitantes.

Mullen continuou por esse caminho, com títulos dedicados ao ocultismo (um de seus grandes interesses —ele costuma citar Laurie Cabot, a feiticeira oficial da cidade de Salem, ao recomendar cores para o dia) e, separadamente, Robert Mapplethorpe. A série terminou —sem comentário ou resenha, como as regras do desafio dispõem— com uma cópia original do imortal “Valley of the Dolls” (1966), de Jacqueline Susann, em uma caixa protetora.

Como tanta coisa no Instagram, as escolhas de Mullen eram excêntricas e deliberadamente cafonas, mas também autobiográficas, como tendem a ser esses desafios sobre livros. Seu aparente fascínio por coisas que eram marginais culturalmente e agora se tornaram parte da cultura dominante parecia deliciosamente sincronizado com o meu. Porque os termos do desafio (que está em circulação há algum tempo, sob diferentes denominações) estipulam posts isolados, a pressão por demonstrar erudição parecia mínima.
 

NA ÉPOCA, FAZIA SENTIDO

Esse é outro aspecto do desafio que tem seus atrativos. Em uma entrevista muito tempo atrás, o cineasta Joel Schumacher declarou que não se arrependia de ter dormido com qualquer das pessoas com quem dormiu —ainda que não curtisse a ideia de vê-las todas juntas na mesma sala. É assim que me sinto sobre meus livros, essencialmente. Cada um, ao seu modo, fazia sentido, em sua época. E a maioria deles continua comigo, embora eu já não pense muito neles.

Os títulos que escolhi não tinham a pretensão de emoldurar minha paisagem cultural, mas sim a de causar frisson, ou pelo menos uma risada. Postei títulos de que eu gostava e livros que achei sem procurar muito. Posicionei os livros sobre um tapete em meu apartamento e fiz o melhor que podia com meu iPhone para evitar que minha sombra obscurecesse, por exemplo, uma cópia rara de “My Face for the World to See”, autobiografia de Candy Darling, superestrela das produções de Andy Warhol e um livro cuja capa —no vinil cor de rosa do diário de uma adolescente, acompanhado por um cadeado dourado— torna desnecessária qualquer preocupação com o texto.

Em seguida, postei “Ceylon”, um livro de fotografias homoeróticas veladas, em branco e preto, de Lionel Wendt, um pianista e polímata que Pablo Neruda descreveu como figura central na evolução de uma identidade nacional para o Ceilão (Sri Lanka) pós-colonial. Fiquei feliz por encontrar o livro (havia me esquecido dele), e espantado, mais tarde, ao descobrir que agora ele é vendido por US$ 1.800 pelas casas de livros raros da internet. Em seguida, veio “Safe”, pequeno romance de Dennis Cooper que não recebeu a apreciação merecida em 1984; sua capa em branco e preto mostrando o orgasmo de um homem parecia profética em sua semelhança com a do best seller “A Little Life”, de Hanya Yanagihara, de 2015.

Os itens seguintes foram uma edição em formato panfleto, pela Pocket Series, de “Roman Poems” (1986), de Pier Paolo Pasolini, e um austero catálogo de uma exposição montada em 2010 pelo Instituto de Arte Contemporânea da Universidade da Pensilvânia, dedicado ao estilista visionário (e herói da libertação gay) Rudi Gernreich. 

“UM LABIRINTO MUITO BEM VINDO”

Jennifer Baker, vice-presidente executiva da Bookmarc, disse que “eu nem sabia que esse livro existia”, sobre o trabalho de Gernreich, com seu sombrio título “Fashion Will Go Out of Fashion” [a moda sairá de moda].

Em certo sentido, foi a “queda a um labirinto muito bem vindo”, para Baker, que indiretamente deu início ao meu envolvimento no desafio, já que foi ela que desafiou Bill Mullen, depois de ser desafiada pelo cabeleireiro Jimmy Paul, por sua vez desafiado pelo maquiador Dick Page.

“Tirei todos os livros que tinha guardados nos armários”, disse Baker por telefone, de seu escritório em Los Angeles. “Tirei as caixas dos armários e me vi cercada de livros, e pensando nos sentimentos que os livros me despertam, na conexão visceral com eles; pelo menos deixei de assistir ao programa de Rachel Maddow por algum tempo”.

Como aconteceu com ela, o prazer propiciado pelas descobertas que o desafio dos livros me ofereceu foi profundo, quase físico. Eu sabia com antecedência, com base em sua recôndita conta de Instagram, que o amigo que desafiei, o cineasta Amos Poe, produziria surpresas. E ele não me decepcionou.

Depois de um começo sombrio, com “This Way for the Gas, Ladies and Gentlemen” [por aqui para o gás, damas e cavalheiros], do escritor polonês Tadeusz Borowski, no segundo dia Poe amenizou sua oferta com uma revista em quadrinhos de suspense da década de 1940.

O sucinto “Portrait of Hemingway”, de Lillian Ross, e uma versão de bolso de “Only the Dead Know Brooklyn” de Thomas Wolfe, vieram a seguir. Poe foi generoso em passar adiante o desafio, e embora algumas das pessoas que ele convidou tenham aceito o convite, outras preferiram rejeitar.

Aparentemente nem todo mundo curte o voyeurismo ameno de observar as páginas do passado alheio, como disse Baker.

“A parte mais difícil, francamente, foi desafiar sete pessoas e descobrir que apenas algumas delas responderam”, ela disse. “O pessoal da moda segue mais as regras que o pessoal dos livros”, ela acrescentou, o que faz sentido, já que a moda é uma empreitada em boa medida conformista e a literatura depende mais dos desordeiros.
 

A EMOÇÃO DA POSSE

Ainda assim, o desafio das capas de livro foi ao mesmo tempo “brincalhão e inspirador”, disse Baker, em parte por evocar a emoção de posse que ela sentiu ao receber a entrega de uma edição especial de “Edie: An American Girl”, de Jean Stein, em 1994, em um verão distante em Nantucket; além disso —como tanta coisa mais na mídia social—, a dificuldade de participar era mínima. 

“Somos todos adultos, nisso”, disse Baker, que fez escolhas maravilhosas e exóticas ao postar “Teenage” (2003), ensaio fotográfico de Joseph Szabo (publicado pela mágica Greybull Press, que está em hibernação); “Rock and Roll Heroes” (1964), de David Bailey; e também uma primeira edição de “Play as It Lays”, de Joan Didion, com uma ilustração de capa mostrando o nascer do sol contra o “skyline” de Los Angeles, e uma cascavel enrodilhada, em silhueta.

“O livro que li originalmente não tinha essa capa —era um livro de bolso fedorento e amarelado da década de 1970, com uma ilustração cafona mostrando Mariah fumando um cigarro”, disse Baker, mencionando a protagonista do romance, Mariah Wyeth, aquele símbolo de indolência mental da metade do século 20.

“Descobri a edição original muito mais tarde, e revisitá-la para o desafio trouxe de volta aquela empolgação que cresce no peito quando você tem nas mãos o seu livro favorito”.
 

 

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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