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Como um presente de Natal fez com que eu descobrisse que minha mãe traiu meu pai

Milhões de pessoas estão fazendo testes de DNA, mas, às vezes, descobrem mais do que esperavam
Milhões de pessoas estão fazendo testes de DNA, mas, às vezes, descobrem mais do que esperavam - Getty Images/BBC
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Lucy Ash

Exames de DNA se tornaram tão populares que já estão sendo oferecidos como presentes de Natal nos Estados Unidos.

Se antes o preço era o principal entrave, hoje não é mais: o teste pode ser feito por menos de US$ 100 (R$ 384). Mas o que acontece quando você descobre muito mais do que você esperava?

Três anos atrás, Jenny decidiu fazer um teste de DNA "por diversão". Ela é a mais jovem de cinco irmãos e sempre ficou intrigada com as histórias de seus ancestrais. Quando era adolescente, adorava olhar fotografias antigas com seu avô e, ao longo das décadas, montou cuidadosamente sua árvore genealógica.

Depois que seus filhos cresceram e ela teve mais tempo livre, Jenny, que é escritora freelancer e mora no Estado de Connecticut, nos Estados Unidos, começou a frequentar conferências e workshops de genealogia para melhorar sua metodologia.

"Todo mundo estava falando sobre fazer esses testes de DNA, mas não tinha interesse. Tudo soava muito científico, e eu não tenho cabeça para isso."

No entanto, Jenny acabou ficando curiosa para ver o que o teste poderia revelar sobre sua origem étnica. Encomendou, então, um kit.

Quando os resultados chegaram, não houve surpresas. Ela soube que sua ascendência era em grande parte britânica, incluindo escocesa, e também escandinava. "Nada de exótico", brinca.

Mas, um ano depois, ela fez o mesmo teste com outra empresa e convenceu seu irmão a fazê-lo também. Foi quando sua vida mudou.

'NUNCA ME SENTI TÃO SOZINHA'​

O e-mail com os resultados de ambos incluía um gráfico que ela se esforçou para entender, mas algo escrito no fim chamou sua atenção: "Relacionamento estimado: meio-irmão".

Jenny pensou que seu irmão tinha feito algo errado. Ela imaginou que ele deveria ter deixado o kit de coleta sob o sol ou esquecido que não deveria comer ou beber uma hora antes de fornecer a amostra de saliva.

"Fiquei com raiva dele", diz Jenny. "Pensei: 'Típico! Pedi a ele que fizesse algo simples e ele deu de ombros'. Tentei racionalizar, mas, ao mesmo tempo, fiquei incomodada."

Jenny buscou respostas na internet e aprendeu sobre o morganídeo - uma unidade de ligação genética. Os irmãos geralmente têm 2,5 mil ou mais em comum, mas Jenny só compartilhava 1,7 mil com seu irmão.

Atormentada pela dúvida, ela pediu à prima de seu pai, de 90 anos, que fizesse o teste também. "Ela me ajudou muito com a genealogia, trocamos fotos, e ela era uma pessoa muito gentil", diz Jenny.

"Eu me senti horrível por não ter dito a verdadeira razão. Falei que seria algo divertido e que enviaria o relatório a ela."

Seis semanas depois, Jenny estava sentada na cama com seu tablet quando os resultados apareceram em sua caixa de e-mail. Ao contrário de seu irmão, ela não compartilhava DNA com a prima de seu pai.

"Pude sentir meu coração se despedaçando", diz Jenny, com os olhos cheios de lágrimas. "Pensei: 'Oh, meu Deus, é verdade!' Meu marido dormindo ao meu lado não tinha ideia do que estava acontecendo. Nunca me senti tão sozinha."

Jenny não contou a ninguém sobre sua descoberta por vários meses. Em vez disso, enviou kits de DNA para seu irmão e suas duas irmãs e os persuadiu a coletar amostras de saliva. Ela sempre achou que não se parecia com eles - é mais baixa e de pele mais clara -, e os resultados confirmaram que ela era de fato diferente.

Jenny também convenceu sua mãe de 86 anos a fazer o teste. "Ela era minha mãe, é claro, mas eu queria provas irrefutáveis, porque descobrir que o homem que me criou não era meu pai me abalou profundamente", diz Jenny. "Apenas senti que tudo que sabia há 50 anos não era verdade."

Um ano depois, ela teve coragem de tocar no assunto com sua mãe, que estava com a saúde frágil por causa de um câncer. Enquanto tomavam um chá, Jenny explicou que o teste de DNA tinha dado alguns resultados estranhos.

"Minha mãe segurava a xícara e estava prestes a beber. Ela apenas parou e olhou para mim. Suas mãos começaram a tremer", lembra Jenny.

"Ela era uma mulher forte e orgulhosa. Acho que nunca a vi chorar, então, vê-la tremendo daquele jeito foi estranho. Eu realmente sofri para perguntar a ela, não queria aborrecê-la, mas também pensei que não poderia deixá-la morrer e não ter algumas respostas, porque sabia que sempre me arrependeria disso."

Havia um empresário que morava na mesma cidade que a família de Jenny. Ela lembra que ele sempre foi muito amigável com sua mãe. Jenny perguntou se aquele homem era seu pai. "Quando disse o nome dele", diz Jenny, "seus olhos se arregalaram."

A mãe de Jenny admitiu que esperava levar o segredo para o túmulo. Ela nunca contou ao marido que o havia traído, então, o homem que criou Jenny não sabia que não era seu pai biológico - algo que Jenny agora acha "incrivelmente reconfortante".

Ela descreve seu pai, um engenheiro que morreu há quase uma década, como "um homem inocente e introvertido" e acha que ele ficaria arrasado em saber a verdade.

"Foi como um novo luto. Passei por todos os estágios de pesar", diz ela. "Era algo que estava fora do meu controle, não havia como voltar atrás nem como consertar isso."

REVIRAVOLTA

Jenny encontrou algum consolo no livro The Stranger in My Genes (O Estranho em Meus Genes, em inglês), de Bill Griffeth, um jornalista de finanças que teve uma experiência semelhante. "Ele odeia quando digo isso, mas ele realmente me salvou", diz Jenny.

"Sem o livro dele, acho que teria enlouquecido ou feito algo destrutivo em minha vida. Entrei em contato com o autor, e ele me incentivou a escrever um diário sobre meus sentimentos e até leu as coisas que lhe enviei, o que foi muito gentil."

Bill, âncora do programa Nightly Business Report, da CNBC, diz que sua vida virou do avesso em 2012 após um teste de DNA. Ele soube que seu cromossomo Y não combinava com o do seu irmão e que seu pai biológico havia morrido 13 anos antes.

"Nunca conheci meu pai", ele diz durante o almoço em sua casa em Nova Jersey. "Nunca apertei sua mão, nunca o abracei, nunca ouvi o som de sua voz. Nunca o vi andando, nunca o ouvi rir."

Assim como Jenny, Bill era fascinado por sua árvore genealógica e havia descoberto que um de seus ancestrais havia sido executado durante os julgamentos de bruxas de Salem em 1692.

Pesquisar suas raízes era "uma espécie de obsessão" e, por anos, ele visitou cemitérios, catedrais, bibliotecas e tribunais de todo o país para obter mais informações.

Quando Bill soube que não era parente do homem que conhecia como pai - de que não era de fato parte do clã Griffeth -, sentiu uma enorme sensação de perda.

"Foi tudo uma grande mentira, e eu fiquei com muita raiva e muito triste ao mesmo tempo", diz Bill.

"Que irônico que eu seja o historiador não oficial de nossa família. Passei anos aprendendo sobre todas as pessoas. E isso foi tirado de mim desta forma."

Bill também enfrentou como Jenny a tarefa inglória de confrontar uma mãe idosa sobre sua infidelidade décadas antes. "A última coisa em que acreditaríamos sobre minha mãe era que ela havia sido infiel", diz ele. "Ela era uma cristã devota, abstêmia. Uma clássica senhora de igreja."

A mãe de Bill tinha 95 anos quando tiveram esta conversa difícil, e ela admitiu relutantemente que "cometeu um erro" ao ter um breve caso com um ex-chefe. "Não queria que isso definisse nosso relacionamento em seus últimos anos. Infelizmente, acho que acabou sendo assim", diz ele.

"Nosso relacionamento meio que esfriou depois. Acho que ela esperava morrer sem que isso nunca viesse à tona."

'ESQUELETOS NO ARMÁRIO'

Histórias como as de Bill e Jenny estão longe de ser únicas - em todo o país, os kits de testes genéticos do tipo "faça você mesmo" estão tirando centenas ou talvez milhares de esqueletos do armário.

Catherine St. Clair, de Conroe, no Texas, ganhou de presente de seus irmãos mais velhos um teste de DNA em seu aniversário de 55 anos. Ela também descobriu que seu pai biológico era um homem que ela nunca conheceu, mas, ao contrário de Bill e Jenny, sua mãe não estava mais viva, então, não havia como obter respostas para suas dúvidas.

Ela estava perturbada e lutando para aceitar os resultados do teste até que falou com outra mulher na mesma situação e decidiu criar um grupo de apoio. Um ano e meio depois, o grupo de Catherine tem quase 4,1 mil membros.

Chama-se DNA NPE Friends - a segunda sigla significa em inglês "pai inesperado". Alguns membros eram fruto segredos, com mães que foram estupradas ou que nunca souberam que haviam sido adotados quando ainda eram pequenos.

Em uma reunião do grupo em um restaurante mexicano em Waco, no Texas, a reportagem da BBC encontra uma dúzia de pessoas sentada ao redor de uma mesa comendo tacos e conversando animadamente. A maioria havia dirigido por horas para chegar até ali em meio a uma chuva forte.

Catherine encoraja os mais tímidos a falar, faz brincadeiras, distribui lenços de papel e diz às mulheres em prantos que não pensem em si mesmas como "um pequeno segredo sujo".

Betty Jo Minardi, diretora de vendas de longos cabelos escuros, estava acompanhada por seu marido, Angelo. Há dois anos e meio, ela fez um teste de DNA que mostrou que o irmão dela era apenas seu meio-irmão. Como Jenny, ela então testou o primo de seu pai e descobriu que não compartilhava DNA com ele.

Então, telefonou para sua mãe em Minnesota e contou-lhe sobre os resultados. A mãe de Betty Jo disse imediatamente que a empresa de testes, a Family Tree DNA, deveria ter cometido um erro.

Na vez seguinte em que tocaram no assunto, sua mãe, ao lado do meio irmão e da meia-irmã de Betty Jo, a acusou de mentir. Seu meio-irmão disse que Betty Jo estava mentalmente desequilibrada, enquanto sua meia-irmã escreveu um post no Facebook dizendo que não era possível confiar nos testes de DNA e que apenas o FBI poderia fornecer dados genéticos precisos.

Betty Jo queria ter absoluta certeza de que seu pai não era o homem que a criou, então, deu um passo além. Embora ele tivesse morrido três anos antes, ela tinha um pouco do cabelo dele e enviou a amostra para um laboratório para fazer um teste de paternidade. O resultado da análise mostrou que eles compartilhavam 0% de DNA.

A essa altura, sua meia-irmã disse que o que estava fazendo era "cruel" e, em um grupo de família, Betty Jo foi informada por uma mensagem de texto: "Você não existe mais para nós". Desde então, Betty Jo não fala com seus meio-irmãos ou com sua mãe. "É triste, porque minha mãe e eu tivemos um relacionamento próximo quando estava crescendo", diz ela.

"Ela costumava me ligar toda semana e, agora, não faz isso nunca. Chorei todos os dias por meses, fiquei deprimida, tive uma espécie de colapso. O Natal é uma época especialmente difícil do ano, mas meus filhos e meu marido têm sido muito prestativos, e estou muito melhor agora."

Betty Jo acredita que o orgulho de sua mãe, sua fé e a imagem de si mesma como "uma esposa e mãe perfeita" a impedem de admitir que teve um filho fora do casamento. "Disse que, se ela não quisesse falar sobre isso, ela poderia dar uma declaração ao seu advogado para eu ler depois de sua morte", diz Betty Jo. "Mas ela nem se deu ao trabalho de me responder."

Alguns dos sites de DNA ligaram Betty Jo a primos de ascendência mexicana de terceiro e quarto graus. Com seus cabelos escuros, olhos e pele morena, ela acredita que seu pai biológico pode ter vindo do sul da fronteira com o Texas. Sua mãe e o pai que a criaram são descendentes do norte da Europa.

Mas Betty Jo não foi motivada apenas pela curiosidade. Ela diz que seria útil conhecer sua ascendência por razões médicas. Ela afirma que sofre de um problema de tireoide e que ela e sua filha compartilham outra condição que não existe no lado materno da família.

SOLIDÃO

Pessoas como Jenny, Bill, Catherine e Betty Jo - a maioria com mais de 40 ou 50 anos - estão praticamente no mesmo barco.

Suas mães engravidaram de alguém que não era seu marido - por vontade própria ou não. É algo difícil de descobrir, mas as consequências práticas tendem a ser limitadas pelo fato de que a maioria das partes envolvidas é muito idosa ou está morta. Então, o que acontece quando um kit de DNA revela os segredos daqueles que são mais jovens?

Lawrence (nome fictício) também contatou Catherine St. Clair e ela o colocou em um grupo especial - não para os filhos de "pais inesperados", mas para pais.

Sua filha, que há muito tempo gostava da história da família, implorou a ele que comprasse um teste de DNA. Ele resistiu, em parte por causa do preço de US$ 99. Então, um dia, cedeu.

Quando a esposa de Lawrence escutou a história, "parecia ter sido atropelada por um caminhão", diz ele.

Ela ficou pálida "com uma expressão terrível no rosto, como quando alguém é pego roubando alguma coisa", acrescenta.

Naquela noite, sua esposa fechou a porta do quarto e confessou ter tido um longo caso com um homem que havia conhecido no trabalho. Um teste de paternidade, dois meses após o nascimento da filha, confirmou seu palpite: a menina não era filha do seu marido. Ela guardou esse segredo por 15 anos.

Em choque, Lawrence telefonou para a mãe e disse que abandonaria a esposa e a filha. Mas sua mãe o impediu.

"Ela disse: 'Sua filha é inocente nisso tudo. Ela não tem nada a ver com isso. Você a ama. E a biologia não muda isso'", diz Lawrence. Ele se separou de sua esposa, algo de que ele diz não se arrepender, mas continuou a ser um pai presente para sua filha.

Lawrence diz que, por um longo tempo, ele se sentiu completamente sozinho, porque os homens - em sua experiência - relutam em falar sobre problemas conjugais. Apenas um amigo admitiu que sua esposa teve casos, mas um teste de paternidade revelou que ele era o pai biológico de seus filhos.

"Ninguém conseguia entender que descobrir que sua filha não é sua é pior do que descobrir que sua esposa teve um caso. Cem vezes pior", diz ele.

"Estava em um grupo de apoio a infidelidade no Facebook quando uma das mulheres do grupo de Catherine entrou em contato comigo para participar do grupo do NPE."

Lawrence disse à filha que ele não a impediria de contatar seu pai biológico, afinal, ele sabia o nome do homem, seu endereço e número de telefone. Mas, para seu alívio, ela não estava interessada. Refere-se a ele como "o doador de esperma".

Mas o filho mais novo de Lawrence, que é biologicamente dele, culpou sua irmã quando seus pais se separaram. Lawrence sentiu que isso era injusto e disse: "O que sua mãe fez causou o divórcio, não sua irmã".

Apesar do que aconteceu, Lawrence diz que está feliz por ter feito o teste.

"Não me arrependo. Fico feliz por ter descoberto a verdade. Mas digo a todos que querem fazer o teste de DNA: 'Esteja preparado para resultados inesperados. Pode haver esqueletos em seu armário'."

FINAL FELIZ?

Alguns, ao contrário de Lawrence, desejam que os esqueletos não sejam perturbados. Uma mulher com quem a reportagem da BBC conversou no encontro do NPE em Waco disse que ficaria mais feliz se pudesse voltar no tempo e não saber o que tinha descoberto.

Questionada sobre o motivo, ela fez uma longa pausa. Depois, disse: "Só sinto que perdi muita coisa e que não posso substituir isso por algo bom".

Mas também pode haver aspectos positivos nos testes de DNA. Bill Griffeth visitou o túmulo de seu pai biológico, encontrou fotos dele e procurou uma sobrinha que conhecia seu pai quando era estudante universitária. Ela o está ajudando a preencher algumas das lacunas na sua árvore genealógica.

No Texas, Catherine St. Clair também está em contato com parentes que nunca soube que tinha. No verão passado, ela e suas meia-irmãs, Rayetta e Mona, se conheceram na Califórnia durante um longo fim de semana e se deram muito bem.

Por sua vez, Betty Jo espera que um parente mais próximo do lado de seu pai faça um teste de DNA e que, com o tempo, ela descubra quem é seu pai verdadeiro.

Jenny levou muito tempo para contar a seu marido e filhos sobre seu teste de DNA. Na correria para o Dia de Ação de Graças deste ano, ela informou a todos os seus irmãos e admite que estava "com um medo bobo" de fazer isso. Eles receberam as notícias melhor do que ela esperava, embora uma irmã ainda esteja "um pouco em negação" e continue questionando os resultados.

A filha de Jenny, Katie, que está na casa dos 20 anos, entende a dor da mãe. "Acho que ela poderia ser considerada a filhinha do papai", ela diz. "Eu me lembro que, no aniversário do meu avô, ela mudava a foto do perfil dela no Facebook com ele junto

Ela acrescenta: "O pai dela está morto, a pessoa que ela pensou que era seu pai dela está morta. Sua mãe está morta - ela morreu no último Natal -, então, agora tem de lidar com este enorme fardo sozinha".

Jenny sabe que ela tem irmãos biológicos. Ela não tem planos de contatá-los no momento, mas está ciente de que um dia o telefone pode tocar. "Se eles resolverem isso, tudo bem - vamos ter que lidar com isso!"

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