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Viva Bem
Descrição de chapéu The New York Times Mente

Antes para as crianças, histórias de ninar conquistam cada vez mais adultos

Aplicativos investem em histórias famosas e celebridades como narrador

Ilustração María Meden - 1º.jan.22/ NYT

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Hillary Richard
The New York Times

Por volta das 22h, Lindsay Colford se acomoda na cama ao som do sotaque texano e da voz suave de Matthew McConaughey, que serve como guia sonoro em sua jornada pelo cosmos enquanto ela adormece. Há noites em que a voz de Harry Styles recitando delicadamente um poema para dormir ecoa em seu quarto. E em outras, Regé-Jean Page narra placidamente uma história sobre um príncipe inglês.

Colford, 39, assistente executiva em Tinton Falls Nova Jersey, não está sozinha. Milhares de outros adultos estão dormindo em companhia de contadores de histórias, famosos ou não. Em nossa busca interminável por uma boa noite de sono, as histórias para dormir se tornaram a arma mais recente do arsenal.

No passado reservadas às crianças, as histórias para dormir são parte essencial de muitos apps de "mindfulness" e meditação, cuja popularidade disparou durante a pandemia. Mas a tendência não se limita a isso. A internet está repleta de histórias para dormir, e de podcasts concebidos para ajudar as pessoas a cair no sono, tais como "Get Sleepy" e "Sleep With Me". Há um motivo para que adultos se sintam atraídos por histórias para dormir, e vai além da nostalgia e da satisfação de um capricho.

"Uma história para dormir funciona ao afastar a mente dos pensamentos e preocupações que sabotam o sono, e permite que a adrenalina do corpo se reduza e o organismo faça sua transição para o estado do sono", disse a médica Christine Won, professora associada na Escola de Medicina da Universidade Yale e diretora médica do Centro de Medicina do Sono de Yale. "Uma história, mais do que música ou ruídos de fundo, tem probabilidade mais elevada de forçar a atenção persistente da mente a deixar de lado o que quer que esteja causando um incômodo emocional".

"As histórias para dormir me ajudam a desfocar. Às vezes nem me lembro de ter caído no sono", disse Colford, que seleciona suas histórias entre as disponíveis no app Calm, tendo como critério a voz do narrador e sua sensação de familiaridade com a pessoa.

Paul Barrett, 59, consultor em Denver, começou a ouvir histórias para dormir no início da pandemia, a fim de experimentar alguma coisa nova. Barrett viaja frequentemente a trabalho, e usava o app Breethe a fim de ajudá-lo a relaxar em fusos horários diferentes. Ver que novas histórias para dormir estavam disponíveis na biblioteca do app atraiu seu interesse.

"Comecei pelos clássicos. Lembrei de que ler ‘Jane Eyre’ na escola costumava ter um ótimo efeito sonífero", ele brincou. "Porque tive de ficar muito tempo sem viajar, comecei a ouvir histórias relacionadas a viagens".

As histórias de viagem tendem a estar entre as mais populares –especialmente as relacionadas a viagens de trem. Os detalhes descritivos, senso de localização, existência no momento e componentes educativas ocasionais que elas incluem ajudam muitos ouvintes a sair de suas cabeças. Desde o começo da pandemia, as histórias para dormir relacionadas a viagens vêm apaziguando a insatisfação de algumas pessoas com respeito às experiências de que se viram privadas.

O app Calm oferece mais de 200 opções e histórias (na seção "histórias para dormir"), e elas já foram ouvidas mais de 450 milhões de vezes, de acordo com a companhia. Outro app, o Breethe, tem mais de 100 histórias em seu catálogo e está lançando uma história para dormir nova a cada semana, para acompanhar a demanda. O Hatch, um sistema personalizado de ajuda para o sono que vem acompanhado por um app, constatou que as histórias para dormir começam a apresentar desempenho melhor que seu conteúdo normal de ajuda ao sono, como meditações guiadas e sons relaxantes.

Isso não significa que histórias para dormir funcionem para todos, porém. "Eu descobri que ouvir histórias para dormir desperta minha atenção, em vez de me acalmar", disse Marian Alaya, de Long Valley, Nova Jersey. Agora, ela prefere ruído branco ou meditações guiadas.

"Quando as histórias para dormir apareceram, decidi experimentar algo diferente e fico contente por ter tentado. Amo a maneira pela qual elas me ajudam a visualizar todos os detalhes –é muito relaxante", disse Nancy Chernoff, 60, pequena empresária em Montreal. Porque estava longe de seu cachorro, certa noite, ela decidiu ouvir "Fido’s Journey to His Fur-ever Home", uma história do Breethe sobre um cachorro de resgate.

"As histórias engajam minha mente o bastante para que eu consiga visualizar os detalhes em vez de me concentrar em outros pensamentos, mais estressantes, que surgem com frequência na hora de dormir", disse Chernoff, que também gosta de histórias de viagens por causa da riqueza de detalhes.

A médica Kelly Goldman, oncologista especializada em radioterapia em El Segundo, Califórnia, percebeu que o ritual de ler uma história para seu filho a cada noite também a ajudava a ficar com sono. E isso a levou a imaginar se a ideia funcionaria para ela.

"No começo da pandemia, o momento era realmente estressante no trabalho. Sou médica em um centro de oncologia e radioterapia para pacientes de câncer que corriam risco real de adoecer com a Covid", ela disse. Goldman encontrou algum conforto em histórias para dormir simples e com linguagem rebuscada, "nas quais nada acontece de verdade". "Elas são aconchegantes", disse. "Eu me sentia um pouco criança de novo".

Apps e podcasts oferecem uma grande variedade de histórias para dormir –o que é bom, porque especialistas concordam em que não há solução que sirva para todos, quando o assunto é o sono. Há histórias sussurradas, para aquele que apreciam a resposta sensorial autônoma do meridiano [uma sensação agradável de relaxamento e formigamento na cabeça e nuca gerada por estímulos auditivos]; releituras dos clássicos; histórias de viagens; histórias originais centradas em um tema, como férias; toda uma categoria chamada "tédio", que consiste de recitar listas de coisas como receitas de pão; poemas líricos; e histórias narradas por celebridades.

Pode parecer simples, mas a arte de criar uma história para dormir perfeita para adultos é complexa. Para começar, as histórias precisam ser envolventes, mas não podem empolgar demais. Em "A Very Proper Tea Party", do Calm, narrada pela crítica gastronômica inglesa Dama Mary Berry, o ápice da ação é um gato que cai dormindo no jardim depois de um típico chá inglês. É preciso haver detalhes (muitas vezes altamente descritivos) que envolvam o ouvinte na cena e impeçam que a mente dele se desvie. A duração ideal é de entre 15 e 30 minutos. E também é preciso encontrar a música ambiente perfeita.

E, claro, é preciso considerar a voz. O narrador pode determinar o sucesso ou insucesso de uma história. Cadência, tom e energia importam. Os ouvintes gostam de repetir histórias para dormir, e por isso precisa existir uma percepção de conexão com um elemento de confiabilidade, o que pode ser difícil de quantificar. É por isso que os clássicos se saem muito bem. Quando o Breethe lançou uma nova versão de "Cinderela", a história se tornou a gravação mais ouvida do app em outubro, segundo a empresa. A Hatch também prioriza a nostalgia em seu catálogo, encomendando títulos como "The Velveteen Rabbit" e "Peter Pan".

Esse aspecto intangível de confiabilidade também pode surgir na forma do uso de celebridades como narradores. O ator LeVar Burton, apresentador do famoso programa "Reading Rainbow", conduz os leitores em uma "Journey to the Stars" [jornada às estrelas]. Lucy Liu os convida para o "Festival of the First Moon" [festival da Lua nova]. Cillian Murphy fala sobre "Crossing Ireland by Train" [atravessar a Irlanda de trem]. Chiké Okonkwo recita sonetos de Shakespeare. LeBron James é o "King of the Sleeping City" [rei da cidade do sono].

Rebecca Robbins, pesquisadora associada na divisão de distúrbios circadianos e do sono no Brigham & Women’s Hospital e instrutora na Escola de Medicina da Universidade Harvard, disse que as histórias para dormir voltadas a adultos fazem perfeito sentido.

"As crianças estão entre as pessoas que repousam melhor em nossa sociedade", ela disse. "É fácil imaginar que, como adultos, somos de alguma forma imunes [a histórias para dormir], ou maduros demais para hábitos como esse. Mas a verdade é que todos podemos nos beneficiar da aplicação das técnicas que usamos com as crianças".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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