Viva Bem

Depoimento: Decisão tardia de ser mãe pode custar caro à mulher

Não é só a sociedade que é cruel com a mulher, mas também a natureza

Amor de Mãe
Vitória (Tais Araújo) abraça Tiago (Pedro Guilherme Rodrigues) em 'Amor de Mãe' - Raquel Cunha/Globo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

“Amor de Mãe” tem um tema que particularmente me tocou: Taís Araujo interpreta Vitória, uma advogada que ao longo da vida priorizou a carreira e que aos 42 anos não consegue realizar o sonho de ser mãe. Ela perde um filho com seis meses de gestação após ser agredida em um tribunal e não consegue engravidar novamente. Seu objetivo de vida muda drasticamente e ela decide que terá um filho custe o que custar. Mas essa obsessão destrói seu casamento com Paulo (Fabrício Boliveira).

Completei 40 anos de idade no dia 20 de novembro e não estava enxergando motivos para celebrar. Assim como Vitória, eu também não consigo realizar meu maior sonho, ser mãe. Esse sentimento é tão forte que mudei minha personalidade. Eu, que sempre fui brincalhona, me isolei e fiquei obcecada em engravidar. Deu tudo errado.

O tempo corre, e o relógio biológico parece uma sentença de morte (sim, drástico assim). Cada ciclo menstrual se torna um fardo e uma chance a menos. Já ouvi de tudo: “Calma, a tecnologia avançou muito”; “relaxa que acontece”; “se tiver que ser, será”; ou, o pior, “você pode adotar”. Precisamos parar de dizer essas frases prontas e dialogar sobre esse assunto de forma séria e transparente.

Pouco se fala da infertilidade, que atinge até 20% dos casais. O tema só chama a atenção de verdade quando você recebe essa “sentença de morte”.Sim, porque quando você vê a chance de ser mãe ir embora acaba perdendo parte de si, parte de sua feminilidade e de sua autoestima.

Vou explicar porque não se deve falar esse tipo de coisa (“relaxa que acontece”, por exemplo) para uma mulher: porque parte disso não é verdade.

A não ser que você congele seus óvulos (procedimento caríssimo) até os 35 anos (para mim, não dá mais), suas chances serão reduzidas drasticamente mês a mês pelo simples fato de que os óvulos envelhecem e acabam.

Fazer uma FIV (fertilização in vitro) é uma opção caríssima —custa cerca de R$ 30 mil— e que oferece poucas chances de sucesso, menos de 30% nessa idade, por volta dos 40 anos. E mesmo que a mulher consiga engravidar, as chances de aborto espontâneo são altíssimas. Isso aconteceu comigo.

Soube que estava grávida no mesmo dia que minha mãe sofreu um AVC (acidente vascular cerebral). Passei a cuidar dela e não tive tempo para sentir a maternidade. Até que, na oitava semana de gestação, fiz um ultrassom e recebi a pior notícia: o coração do bebê havia parado de bater. Fiquei louca. Naquela noite, chorei copiosamente, sozinha. Ali, pela primeira vez na vida, senti o que era ser mãe. Porque, mesmo sem um bebê no colo, já me sentia mãe.

E ainda me sinto de luto por essa perda recente. A tecnologia não parece ter avançado para solucionar esse problemas, como muito se prega. O tempo passa e a mulher fica idosa (biologicamente) aos 40 anos.

Não é só a sociedade que é cruel com uma mulher, mas também a natureza. Falar que sou velha não é mera vaidade de quem acaba de se tornar quarentona, mas a constatação de que é preciso pensar em gravidez bem mais cedo, se esse for o desejo.

Uma amiga me disse que, se os homens engravidassem, a tecnologia avançaria rápido e haveria gestação espontânea em qualquer idade.

Não adianta querer consolar a mulher e dizer que ela não é velha. Essa é uma realidade e um alerta que precisa ser feito. Sempre damos uma desculpa para esperar: uma promoção no trabalho, a espera pelo “homem ideal” ou mesmo a prioridade em curtir a vida sem filhos. Antes de querer ser mãe, viajei, conheci outras culturas, vivi intensamente, tive uma carreira e tudo o que uma mulher moderna pode buscar.

Mas a natureza não espera. E, disso, me arrependo amargamente. Quando a vida passa e você decide ser mãe após os 35, começa a sentir o peso dessa decisão. Várias pessoas dizem que eu preciso me perdoar.

Pode até ser, mas não consigo lidar com o fato de que corro o risco de morrer em mim mesma, de não ver um pedaço de mim seguindo adiante. As pessoas tentam ajudar e acabam minimizando o problema quando dizem que eu posso adotar. Isso dói. Adotar é um gesto lindo e nobre que não descarto.

Mas falar disso com uma tentante é cruel, porque parece que trata-se de um “vale-mãe”, um consolo por não conseguir engravidar. Qual o problema em querer ser mãe biológica? Geralmente, quem fala isso já tem filhos ou nunca tentou sem sucesso.

Em "Amor de Mãe", até nos diálogos que eu pude assistir da personagem Vitória, em desespero, são usadas as mesmas palavras que eu já disse em algum momento. Na novela, ela decide adotar e, quando “relaxa”, engravida.

Ainda tenho a esperança de alcançar a vitória e realizar um sonho que parece tardio, mas ainda possível. Porque o amor de mãe eu já tenho em mim. Portanto, meninas, não esperem muito.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem