Grupos em redes sociais e apps unem e ajudam pessoas que querem ou passaram por bariátrica
Especialistas defendem apoio psicológico, mas se preocupam com informação errada
Especialistas defendem apoio psicológico, mas se preocupam com informação errada
“Parecemos irmãs, mas nunca nos vimos”. É assim que a secretária Kátia Ventura Nunes, 32, se refere às amigas com quem compartilha dúvidas, frustrações e alegrias nos últimos 10 meses. Por redes sociais ou Whatsapp elas contam suas experiências desde que decidiram se submeter à cirurgia bariátrica.
Moradora da zona norte de São Paulo, Kátia afirma que sofria com a obesidade desde os 12 anos e já tinha feito as mais variadas dietas. Chegou a grupos no Whatsapp e no Facebook por recomendação de um médico. O objetivo: tirar dúvidas e definir se ela, de fato, queria passar pela operação, que acabou sendo realizada dois meses depois.
São vários os grupos que se propõe a ajudar e orientar pessoas que buscam ou que já fizeram cirurgias bariátricas. Dica de médico no meu convênio, quando deixar a dieta líquida, se é verdade que perde cabelo são algumas das perguntas que aparecem, além de receitas, depoimentos e muitas montagens de antes e depois.
Para o cirurgião bariátrico Marcelino Nakamura, é importante falar com pessoas que entendem o drama do paciente obeso “com um olhar menos preconceituoso”. “Esse olhar de quem já passou por isso, sem preconceito, ajuda demais. Dá credibilidade, até na hora de falar ‘não come, não é fome, é lembrança’”, afirma.
“Eu não estava preparada para parar de comer. Não é milagre, e é muito difícil perceber que a gente operou o estômago, não a cabeça. Essa [a cabeça] é gorda pro resto da vida”, afirma Kátia, que pesava 135 kg quando fez a cirurgia em janeiro deste ano. Hoje, com 85 kg, admite que cometeu alguns erros até se adequar a nova realidade.
Diferente de Kátia, a vendedora Nilma Junqueira, 38, chegou a um grupo no Facebook por conta própria, durante suas pesquisas sobre a operação, há quatro anos. Na época, pesava 108 kg e tinha problema grave de hipertensão, além de um quadro de pré-diabetes. A família era contra a cirurgia, e na rede social encontrou apoio e indicações.
“Eu não sabia nem em que médico ir. Comecei a buscar no livrinho do convênio, mas todos pediam dinheiro por fora. Foi no grupo que tive a indicação da minha médica. Perguntei se alguém conhecia algum profissional bom que fizesse pelo meu plano. Em oito meses já tinha feito todos os exames e laudos, estava pronta pra operar”, conta.
Três anos e sete meses depois, Nilma alcançou os 54 kg e até já fez parte das cirurgias de pele que pretende fazer, mas continua no grupo. Depois da operação, passou a pedir menos informações e a dar mais dicas e incentivos. Falou da época dos enjoo e ânsia, da sensação de fraqueza, assim como do excesso de pele após o emagrecimento.
Foi com dicas como essas que a vendedora Magali Fátima Marques de Paula, 40, passou pelas dificuldades do pós-operatório: “Em casa, as pessoas nem sabiam como é esse processo. Apoiavam, mas não é a mesma coisa de falar com alguém que passou pela mesma experiência”, diz ela, que foi dos 110 kg para os 63 kg em sete meses.
“Pra quem não passou por isso, a bariátrica parece o recurso mais fácil. As pessoas criticam, falam pra ir a academia, fechar a boca, acham que é fácil”, afirma ela, que diz ter encontrado apoio no grupo, principalmente psicológico. “A cabeça foi o pior, a cabeça é de gordo. Ela tem muita vontade e, como não pode, a gente pira”.
Para o cirurgião bariátrico Marcos Leão, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, é justamente na parte psicológica que os grupos fazem a maior diferença. Já na parte de dicas e informações, ele afirma ter ressalvas, principalmente, pela maioria dos grupos não ter um médico acompanhando.
“Muitos grupos são focados apenas em pacientes, onde alguns ensinam aos outros coisas que eles não têm condições de ensinar. Cada experiência com a bariátrica é individual. Seja boa ou ruim, ela é individual. Você não tem a formação nem a experiência pra falar a respeito. Aí muitas vezes conceitos equivocados são transmitidos.”
Nakamura afirma que o paciente tem que ficar atento até ao tipo de cirurgia na hora de dar uma dica ou se orientar por algum post. Os dois tipos mais conhecidos, sleeve (que reduz apenas o estômago) e by-pass (que reduz o estômago e altera o intestino), podem acarretar sensações, dificuldades e até emagrecimentos diferentes.
Também focado na troca de experiências e preocupado com informações erradas, o cirurgião bariátrico Luiz Fernando Córdova tem um grupo que se encontra pessoalmente, sob sua supervisão. No Hospital Brasília, ele reúne seus pacientes toda primeira terça-feira do mês para falarem sobre suas experiências, dúvidas e dificuldades.
“Cirurgia bariátrica cura, mas você passa a ter novas obrigações. O grande problema é que muitos pacientes são operados e somem. Comer bem não é suficiente, tem toda uma rotina, um acompanhamento vitamínico, inclusive. E eu preciso obrigatoriamente envolver a família nisso. A família é cumplice”, afirma Córdova.
Também para troca de informações, Leão diz que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica criou um programa semanal, transmitido pelo Facebook e pelo Instagram, em que nutricionistas, psicólogos, médicos e personal trainers dão suas dicas. A transmissão acontece toda quinta, às 20h.
Ainda cercada de preconceitos, a cirurgia bariátrica, conhecida também como cirurgia de estômago, tem crescido a cada ano no país. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, o aumento foi de 84,73% entre 2011 e 2018. No ano passado, foram realizadas 63.969 procedimentos —alta de 4,38% em relação a 2017.
Para o presidente da entidade, o médico Marcos Leão, o crescimento é resultado de um maior conhecimento e credibilidade em relação à cirurgia, mas também pelo aumento da obesidade, que no Brasil atingia 19,8% dos brasileiros em 2018, segundo o Ministério da Saúde. “Um obeso para cada quatro pessoas”, ressalta ele.
O procedimento, no entanto, não é indicado a todos e também não é livre de riscos. A indicação acontece apenas para pessoas com IMC (Índice de Massa Corporal) acima de 40, de IMC entre 35 a 40 com comorbidades graves e ainda com IMC entre 30 a 35 com diabetes não controlada. O cálculo é feito a partir do peso e da altura da pessoa (ver abaixo).
Embora seja feita também pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e o número de bariátricas no sistema público tenha crescido ano a ano, a maioria esmagadora das cirurgias ainda se concentram nos planos de saúde. No ano passado, foram 49.521 operações pelos convênios, 11.402 pelo SUS e 3.046 cirurgias particulares.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a fila no SUS pode chegar a cinco anos, como no caso do Hospital de Clínicas de Campinas, que tem cerca de 1.500 pacientes na fila. Segundo a entidade, cinco estado nem têm serviços habilitados em bariátrica pelo SUS: Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia e Piauí.
“Todos [as autoridades] reconhecem como uma necessidade [o aumento de bariátricas pelo SUS], mas o dinheiro é curto. Se eu tratar a obesidade com cirurgia estou tirando do câncer... A obesidade tem um grande estigma, que é não ser reconhecida como doença, inclusive por parte de agentes de saúde”, afirma Leão.
Como calcular o IMC (Índice de Massa Corporal):
Cálculo é baseado no peso, que deve ser dividido pelo quadrado da altura. No caso de uma pessoa com 68 kg, que tem 1,70 m de altura, a conta fica assim: 68/(1,70x1,70)= 23,52.
Até 18,5 - Baixo peso
De 18,5 a 25 - Peso adequado
De 25 a 30 - Sobrepeso
Acima de 30 - Obesidade
Fonte: Ministério da Saúde
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