Novela 'Segundo Sol' coloca cultura baiana em evidência; saiba locais dessa culinária em SP
São muitos restaurantes que preparam o autêntico acarajé
O Brasil foi contagiado pela malemolência baiana com a novela das nove, "Segundo Sol" (Globo), e expressões como "axé" e “não aperte a minha mente” caíram no vocabulário popular. Em São Paulo não é diferente, e a reportagem selecionou locais que trazem tradições da Bahia para perto do paulistano.
São muitos restaurantes que preparam o autêntico acarajé, além de moqueca e bobó de camarão, iguarias típicas do estado nordestino. Além deles, há espaços dedicados à sua cultura. Tudo isso aproxima São Paulo, que começou a receber nordestinos em 1882, dos costumes da Bahia.
Também ajuda os baianos que moram por aqui a matar a saudade da terra natal. É possível, por exemplo, reunir-se com amigos em bares da cidade para torcer pelo futebol do Bahia ou do Vitória. João Emanuel Carneiro, autor da novela, conta que sempre gostou da cultura baiana.
"Salvador é uma cidade que adoro e que me inspira. Minha mãe foi presidente do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], e eu ia muito para lá com ela”, conta. “Lembro-me de ler ‘Capitães da Areia’, do Jorge Amado, no hotel em que estava hospedado, aos 14 anos. Foi para mim uma verdadeira imersão na cultura baiana. Salvador é uma cidade importante do Brasil. Nosso país possui poucos locais com uma identidade visual tão forte como a de lá.”
O estado de São Paulo abriga cerca de 1,7 milhão de baianos, de acordo com o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo Henrique Trindade, pesquisador do Museu da Imigração, a vinda de baianos para a capital paulista se dá pela busca de trabalho e de melhor posição social.
“A principal motivação é econômica, resumida na facilidade em conseguir empregos e salários melhores. Além disso, é preciso considerar as calamidades climáticas ocorridas em muitas partes do Nordeste brasileiro –particularmente, as secas sucessivas”, analisa.
Consta nos arquivos do Museu da Imigração de São Paulo que a presença de nordestinos em hospedarias de imigrantes em São Paulo tem registros oficiais desde 1882, mas foi só na década de 1930 que a quantidade de brasileiros que vieram para cá ultrapassou a de estrangeiros estabelecidos no estado.
Foram os baianos e outros nordestinos que ajudaram a erguer a metrópole. “As construções da cidade de São Paulo, da década de 1930 para cá, são obras do operariado brasileiro, com destaque para os baianos, até por conta da quantidade deles. Mesmo na lavoura se destacaram, contribuindo com a mão de obra necessária”, diz Trindade.
Para o pesquisador, essa mistura fez de São Paulo um exemplo de convivência entre povos e culturas diferentes. “A vinda dos baianos nos ajuda a compreender o quão multicultural é o nosso país e quanto ainda temos que aprender a lidar com preconceitos relacionados às nossas origens.” “A presença do povo baiano ajuda a entender um pouco o desenvolvimento econômico da cidade, o estabelecimento de pequenas lojas, de botecos e de comércios em geral”, completa.
A doméstica Edinalva Gomes da Rocha, 41, veio para São Paulo com 12 anos para morar com uma amiga de sua família. Ela é de Iguitu, na Bahia, e costuma frequentar o Centro de Tradições Nordestinas, na zona norte da capital, para ouvir as rezas ali proclamadas junto dos presentes, além de comer quitutes de sua terra natal e ouvir música.
"É o meu lugar preferido da cidade! Eu venho escutar a oração e a missa daqui, sempre me emociono.” Edinalva diz ter construído sua vida enquanto crescia na capital paulista. “Tive filho e pretendo continuar morando aqui, pois para trabalhar é muito melhor do que na minha cidade. Mas, quando chegar a hora de me aposentar, não sei... Pode ser que eu volte à Bahia. Neste momento, vou lá só uma vez por ano, para visitar a família e os amigos queridos, de quem sinto muita falta."
MOQUECA COM GOSTO DE COMIDA DE MÃE
Conhecido como Zupa, Ezupério da Silva Neto inaugurou o restaurante Consulado da Bahia, na rua dos Pinheiros (zona oeste), em 2010. Ele é natural de Vitória da Conquista, na Bahia, e mora em São Paulo há 20 anos.
"Eu e meus amigos queríamos abrir um restaurante mineiro ou baiano, aí fui pesquisar como era feito o acarajé tradicional.” O dono do local explica que faz questão de trabalhar com os melhores ingredientes e fornecedores que conhece, mesmo que isso impacte no preço do produto. “É preferível manter a qualidade e o sabor dos alimentos. Com isso sou muito exigente”, garante.
A moqueca de pescado amarelo (R$ 141,90 para duas a três pessoas) e o acarajé tradicional (R$ 16,90) representam 80% dos pedidos. Lá é encontrada moqueca de camarão (R$ 177,90) e a de lagosta (R$ 214,90), ambas acompa nhadas de arroz branco e pirão de peixe, que servem de duas a três pessoas.
O arquiteto Rodrigo Lima, 31, nasceu em Salvador, mas mora no Rio de Janeiro há quatro anos. A passeio em São Paulo, visitou o Consulado da Bahia pela terceira vez para comer moqueca. “Os pratos daqui são bem fiéis à tradição baiana, e o sabor é muito importante para mim”, afirma Lima. “Não é fácil encontrar um lugar que tenha comida baiana com o tempero de minha mãe. Comer é uma das coisas que mais gosto de fazer”, afirma.
PRATOS BAIANOS PARA PALADAR PAULISTANO
Quando Rafael Spencer foi transferido de seu antigo emprego, em Salvador, para São Paulo, em 2010, pensou em investir em um restaurante de comida baiana na capital paulista. “Meu pai é chef de cozinha e topou abrir o negócio comigo. Meu outro sócio, Adriano Pessini, chegou depois”, conta.
O nome Sotero, dado ao estabelecimento, não vem de soteropolitano (quem nasce em Salvador), como muitos pensam. É inspirado em Sotero Moreira, antigo caseiro da casa de veraneio da família de Spencer,
na ilha de Itaparica, na Bahia. “Cresci com ele e quis fazer uma homenagem”, revela.
O proprietário explica que a cozinha do restaurante é dedicada à comida brasileira, com ênfase na culinária baiana. Entre as entradas, é possível encontrar acarajé (R$ 17,90), caldinho de feijão (R$ 12,90) e
bolinho de carne-seca (R$ 5,90 a unidade).
Ao longo de sete anos de experiência no ramo, foram necessárias adaptações ao paladar paulistano. A comida baiana, segundo Spencer, tem muito mais pimenta e coentro do que a servida no Sotero. “O paladar de quem mora aqui não é o mesmo do baiano, então, fomos aprendendo aos poucos. E a pimenta é servida à parte, para o cliente acrescentar se quiser.”
ACARAJÉS GANHAM RECEITAS CRIATIVAS
Quando abriu as portas do Rota do Acarajé, há 16 anos, no bairro de Santa Cecília (centro), Luisa Inês Saliba tinha um pequeno espaço em que vendia apenas o quitute baiano. Hoje, o local recebe até estrangeiros e oferece, além de acarajés variados, mais de mil rótulos de cachaça.
"Eu e meu marido fundamos a casa com uma baiana, que nos ensinou a fazer acarajé e confidenciou que o segredo está na massa”, diz Luisa, que nasceu em São Paulo. “Além do tradicional, para comer com a mão [R$ 21], temos o acarajé à Maria Bonita [R$ 44, a porção com 4 miniacarajés], que leva cachaça na massa e é acompanhado de camarão flambado na bebida. Servimos, ainda, o acarajé bola de fogo [R$ 56 seis unidades], com pimenta-calabresa na massa.
São criações nossas.” Com o tempo e o sucesso, Luisa contratou outra cozinheira baiana e passou a oferecer mais pratos típicos, como a moqueca de camarão. Em 2008, a casa ao lado foi desocupada, o
negócio cresceu e virou restaurante. O local se transformou em referência de acarajé e vende cerca de 400 unidades por mês da delícia típica, cuja massa é frita no azeite de dendê e recheada com vatapá, caruru e camarão.
DELÍCIAS TÍPICAS EM OPÇÕES VEGANAS
Edvaldo Sacramento nasceu em Vera Cruz, na Bahia, e mora em São Paulo há sete anos. É chef de cozinha e dono do Digaê Bar e Bahia, na Consolação (centro). Ele diz que aprendeu a fazer acarajé com sua mãe.
“Na Bahia, chamamos acarajé de hambúrguer de baiano, pois o povo de lá come muito e sempre”, conta. Segundo ele, seu quitute faz sucesso por ficar crocante e ser preparado na frente do cliente, com 100% de azeite de dendê. “Cerca de 80% do público que recebo é baiano, nem consigo perder o sotaque”, diverte-se o simpático chef.
Em um pequeno espaço na rua Augusta, Sacramento prepara acarajés (R$ 13) e abarás (R$ 14). “O abará tem a mesma massa do acarajé, mas é cozido no vapor e envolto em folha de bananeira”, explica.
Para atender a todo tipo de público, o local oferece também acarajé e abará sem camarão, o que torna os pratos veganos. Há ainda opções de licor caseiro (R$ 30 a garrafa) de gengibre, de maracujá, de tamarin
do, de jabuticaba e de cacau.
CTN MANTÉM A TRADIÇÃO NORDESTINA
Inaugurado em 1991, o Centro de Tradições Nordestinas é um amplo espaço com igreja, parque de diversões (R$ 5 cada brinquedo), área para shows, restaurantes, artesanato e quiosques com comidinhas e doces. A ideia é reunir tudo que é típico do Nordeste _incluindo delícias baianas.
A Casa da Tapioca vende bolo de tapioca a R$ 6 o pedaço. O acarajé custa R$ 20, e a cocada de leite condensado sai por R$ 5. Também são oferecidas guloseimas de outros estados da região. É possível encontrar chá de amendoim (R$ 10), suco de milho (R$ 10) e caipirinha de caldo de cana (R$ 10).
No restaurante Recanto Potiguar, o prato de carne de sol com mandioca, feijão de corda e arroz sai por R$ 22. A entrada na casa é gratuita, com exceção das noites de sexta-feira, em que acontecem shows de diversos artistas de forró, sertanejo e forró pé de serra.
O casal de baianos formado pela copeira Cláudia Santana, 44, e pelo motorista Manoel Lima, 47, levou o irmão dela, o empresário Marcondes Santos, 40, e sua família para comer no CTN. “Moro no interior de São Paulo e vim conhecer. Nasci na Bahia e sinto falta da família, das festas e da culinária”, diz Santos.
"!Já eu gosto da correria de São Paulo. Conheci meu marido aqui, tive minha filha e há cinco anos não vou à Bahia. Tenho oito irmãos espalhados pelo Brasil, mas a maior parte da família ainda mora lá”, explica Cláudia. O centro atrai 70 mil pessoas por mês, entre nordestinos, paulistanos e turistas.
BARES RECEBEM TORCIDAS DE BAHIA E VITÓRIA
Times grandes de futebol da Bahia, como o Esporte Clube Bahia e o Esporte Clube Vitória, têm grupos de torcedores fanáticos em São Paulo. E dois bares da capital paulista recebem essa turma de braços abertos nos dias de jogo.
O empresário Tenistocles dos Santos Sacramento Jr., 38, é líder do Vitória Sampa, torcida do time baiano que se reúne no Rei de Pinheiros, bar da zona oeste. “A gente também organiza viagens para assistir aos jogos”, revela.
O grupo Embaixada Bahea Sampa, que vibra com o Bahia em São Paulo, tem mais de 400 integrantes e se encontra no bar Porto Madalena, também na zona oeste. “Quem estiver em São Paulo e quiser se encontrar conosco é só entrar em contato por nossas redes sociais”, diz Paulo Seixas, presidente.
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