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Kaysar diz que papel de Fause em 'Órfãos da Terra' permitiu resgatar sonho de criança perdido

'Quero ser cidadão brasileiro. Já sou de coração e quero ser também no papel'

O ator Kaysar Dadour como Fauze em "Órfãos da Terra"
O ator Kaysar Dadour como Fauze em "Órfãos da Terra" - João Cotta/Globo
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São Paulo

Para o sírio Kaysar Dadour, entrar nos estúdios de gravação da novela "Órfãos da Terra", da Globo, é resgatar um sonho de criança. Embora nem imaginasse que um dia interpretaria um refugiado numa emissora brasileira, ele afirma que sempre quis ser ator.

"Quando criança, eu pensava que queria ser ator, mas depois de tudo pelo que eu passei, o sonho ficou escondido dentro de mim", conta à Folha, em um português fluente, mas que deixa escapar vez ou outra que aquela não é sua língua materna. "De repente, voltou tudo. A gente guarda o sonho achando que nunca vai conseguir, e, quando menos espera, consegue tudo."

O sírio interpreta o segurança Fauze, um dos homens de confiança do xeque Aziz, na novela das seis da Globo, que trata do drama de refugiados em diversas partes do mundo. Em nova fase, seu personagem volta ao Brasil após anos preso no Líbano a mando de Paul (Carmo Dalla Vecchia) e tira sua barba para não ser reconhecido.

"Estou adorando participar da novela. Mas tenho que melhorar muito ainda, estudar mais. Eu fiz uns workshops e quero focar mais, e mais, e mais", afirma. 

Novato do elenco, Kaysar teve poucas experiências em atuação. Participou do musical “Favela”, no Rio de Janeiro, que classificou como uma “experiência linda”, e fez uma ponta na segunda temporada da série “Carcereiros”, já na onda do sucesso de sua participação no Big Brother Brasil de 2018.

Em “Órfãos da Terra”, Kaysar empresta a Fauser mais sua experiência de vida do que habilidades cênicas: "Eu já vi vários capangas como ele. Lembrei de pessoas que passaram pela minha vida." Ele conta que, mesmo tendo em comum o status de refugiado, não se vê representado pela história do segurança. “Ele só faz maldades”, resume.

O árabe fluente também ajuda na interpretação. Foi Kaysar, inclusive, quem ensinou algumas expressões no idioma aos colegas de elenco. Em troca, aprendeu algumas expressões do mundo artístico: como desejar merda antes de entrar em cena, como boa sorte.

Ele afirmou ainda que, eventualmente, coloca algumas expressões em árabe nas falas de Fauser, para dar mais realismo ao personagem. Questionado sobre as especulações de que seu personagem deve ganhar cada vez mais espaço na trama, ele diz apenas que “vai ser muito legal”.

Além da recém-descoberta carreira de ator da Globo, Kaysar conta ter planos de retomar uma paixão da época da vida na Síria: o cuidado com as aves. "Quero muito fazer um projeto contra o tráfico de aves. Há projetos para proteger vários tipos de animais, mas pouca gente lembra dos pássaros", reclama.

​KAYSAR PASSOU POR PAÍSES EM CONFLITO ANTES DO BRASIL

Kaysar nasceu em Aleppo, a maior cidade da Síria e uma das mais atingidas pela guerra civil que devasta o país há oito anos e já deixou mais de 370 mil mortos, segundo a estimativa mais conservadora do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).

O ator conta que deixou o país ainda em 2011, no começo do conflito. “A situação já estava pesada”, diz Kaysar. Questionado sobre o que exatamente presenciou, muda de assunto e começa a falar do trajeto que o traria ao Brasil. 

Seu primeiro destino, assim como o de milhares de refugiados do conflito sírio, foi o vizinho Líbano, onde permaneceu por pouco tempo. De lá, ainda em 2011, seguiu para a Ucrânia, onde ficou por três anos. “Cheguei perdido demais, comecei a me virar com a língua, me virar fazendo várias coisas”, conta Kaysar. 

Em 2013, o sírio refugiado de uma guerra se viu em outro país cenário de um conflito violento, desta vez envolvendo separatistas na península da Crimeia, de maioria russa, que acabou anexada pela Rússia. No ano seguinte, aos 21 anos, ele decidiu então partir para um novo destino, Curitiba, onde o primo de sua avó materna mora.

Antes disso, nunca havia visitado o Brasil. “É muito longe pra gente”, diz, em referência ao país natal. A adaptação foi mais fácil do que o período em solo ucraniano. “O povo é mais caloroso, carinhoso. Foi muito bom, me trataram muito bem”, afirma Kaysar. 

No começo, ajudou o primo distante em sua loja de material elétrico na capital paranaense. Depois, partiu para uma série de ocupações, entre eles garçom. E foi assim, como refugiado sírio e garçom no Paraná, que Kaysar conquistou uma vaga no Big Brother Brasil 2018.

“Eu estava assistindo o programa com uma galera quando perguntei: ‘o que é isso?’. Eles falaram que você fica por três meses isolado pela chance de ganhar R$ 1,5 milhão”, relembra. Enquanto os amigos salientavam as agruras de ficar aprisionado em uma casa, Kaysar argumentou: “Na casa tem comida, cama, banheiro? Então é fácil”.

Ao melhor estilo mantra motivacional, espalhou cartazes por todo seu quarto dizendo que queria entrar para o programa e ganhar o prêmio milionário. Deu (quase) certo. Ele entrou para o seleto grupo de participantes do reality, mas saiu da casa vice-campeão, com um prêmio de R$ 150 mil e dois carros novos. 

Usou o dinheiro, além de pouco mais de R$ 63 mil arrecadados por fãs em uma vaquinha virtual, para trazer a família para viver com ele em um apartamento alugado em Curitiba. A irmã Celine Dadour, e os pais, George e Diane Dadour, chegaram ao país em setembro do ano passado. 

“Quando deixei a Síria, eles ficaram preocupados, mas eu não tinha outra opção. Combinei de voltar quando acalmasse a guerra, mas o conflito nunca parou. Nesse período, quando dava, a gente conversava”, lembra Kaysar, sobre os anos separado dos pais e da irmã. “Agora tenho uma família para sustentar. Estou muito focado.” 

A adaptação ao Brasil deu tão certo que Kaysar já deu entrada nos papéis para obter a cidadania brasileira. “Eu quero ser cidadão brasileiro. Já sou de coração e quero ser também no papel”, diz.

Já as promessas feitas à família de que voltaria à Síria ficaram mesmo para trás. Hoje, ele diz ter desejo de visitar seu país natal, mas descarta voltar a morar em território sírio. “Quero só visitar, ver minha escola, ver se está lá ainda. Ver as ruas por onde eu andava e brincava com meus amigos.”

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