Nerdices

Para gamers deficientes, controladores criativos abrem novos mundos

Microsot lançou em 2018 controlador adaptativo para o Xbox One

Erin Hawley, à direita, joga videogame com sua família
Erin Hawley, à direita, joga videogame com sua família - Michelle Gustafson/The New York Times
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Jason M. Bailey

Erin Hewey cresceu imersa em videogames, avançando de "Pong", no Atari 2600, para "Sonic the Hedgehog", no Sega Genesis, e "Tomb Raider", no Sony Play Station.

Mas os controladores manuais se tornaram mais complexos e a distrofia muscular de Hawley se tornou mais debilitante, e por isso ela se viu forçada a deixar de jogar videogames em consoles.

Hawley tem dificuldades até mesmo para segurar o controlador, por conta do peso, e suas mãos são incapazes de alcançar certos botões.

Para ajudar os gamers deficientes físicos, há anos uma comunidade de voluntários vêm modificando controladores existentes ou desenvolvendo novos aparelhos.

E agora esses esforços, conduzidos por organizações como a Warfighter Engaged, AbleGamers Charity e SpecialEffects, foram amplificados pela Microsot, que em setembro lançou um controlador adaptativo para o Xbox One.

"Tentamos descobrir uma maneira de acelerar suas práticas para que essas organizações pudessem ajudar mais gente", disse Bryce Johnson, que comanda a área de inclusão no departamento de pesquisa de produtos e acessibilidade na Microsoft. "É complicado abrir um controlador, para alguém que precisa apenas de um par de botões extras; é trabalho duro".

O retângulo cinzento com dois botões vermelhos é uma relíquia no mundo dos videogames. Os controladores modernos requerem que os gamers operem dois joysticks analógicos, um para controlar os movimentos de cabeça e o outro os dos pés, usados simultaneamente - e que acionem com precisão o conjunto de quatro botões, dois gatilhos e dois "bumpers".

Erin Hawley - Michelle Gustafson/The New York Times

A tarefa pode ser um desafio, especialmente para os jogadores deficientes físicos. Alguns competidores no mundo dos e-sports já operaram controladores usando os lábios e o queixo, ou as bochechas e a língua.

Hawley, 35, não consegue usar o indicador para apertar o gatilho direito, no controlador tradicional do Xbox. Mas ela pode usar um cotovelo para acionar um dos dois botões de 10 centímetros do controlador adaptativo, que testou para a Microsoft e que a ajudou a retomar um passatempo.

Hawley agora pode jogar títulos como "Mortal Kombat" e "Kingdom Hearts" com seu irmão e sua sobrinha, todos os domingos.

O poder do controlador adaptativo vem de suas 19 entradas para plugs de 3,5 milímetros e duas portas USB, que permitem que usuários conectem periféricos externos como comutadores e botões.

Muitos jogadores trocam informações sobre seus esquemas de adaptação para acomodar necessidades físicas específicas. "Para muitos de meus amigos, isso mudou a forma de jogar", disse Hawley, criadora do site Geeky Gimp, que avalia a maneira pela qual o setor de entretenimento retrata os deficientes físicos. "E também mudou seu envolvimento na comunidade".

O hardware poderoso e confiável serve como fundação para o setor de videogames, que movimentou US$ 134,9 bilhões (R$ 507 bilhões) no ano passado com a venda de software, de acordo com estimativas. Isso representa a vasta maioria de suas receitas, segundo a empresa de pesquisa Newzoo.

Os jogos para computadores favorecem a personalização, há muito tempo, e foi a eles que Hawley recorreu nos seis anos em que não pôde jogar videogames em consoles. Ela consegue operar um mouse e teclado, e pessoas que não tenham uso das mãos podem se beneficiar de sistemas de rastreamento de movimentos dos olhos e de comandos de voz.

Mas os desenvolvedores de consoles projetam seus produtos para as massas, e as pessoas que tenham deficiências físicas costumam ser desconsideradas.

Em 1989, a Nintendo lançou um controlador operado com o queixo e por meio de um canudo no qual os jogadores sopravam e aspiravam, sem usar as mãos, mas por décadas o mercado desse tipo de controlador foi cedido a criadores externos.

Benjamin Heckendorn demora cerca de três horas para produzir uma dúzia de peças em uma impressora 3D e afixá-las à base de um controlador Xbox. O primeiro controlador que permite operação com uma mão só foi criado por ele para um veterano do exército  americano que havia perdido um braço na guerra do Iraque; ele já vendeu 250 unidades do controlador, por US$ 350 (R$ 1.315), muitas delas para gamers que sofreram derrames ou acidentes de motocicleta.

"Parte do processo de recuperação é fazer coisas normais, que você ama", disse Heckendorn, "e isso inclui os videogames, para cada vez mais gente".

O Adroit Switchblade, uma caixa preta vendida por US$ 400 (R$ 1.500) e dotada de múltiplas portas para conexão de controles auxiliares, foi um precursor do controlador adaptativo da Microsoft.

"Era literalmente uma pessoa sentada lá o dia inteiro, soldando cabos e testando", disse Mark Barlet, fundador da AbleGamers, que se uniu à Evil Controllers para distribuir cerca de 220 Switchblades.

O controlador adaptativo da Microsoft surgiu em uma competição interna de "hacking" da empresa, em 2015, e foi refinado por meio de consultas a organizações sem fins lucrativos e hospitais. O alcance do produto foi estendido por meio do corte de custos propiciado pela produção em massa, e por um orçamento publicitário capaz de bancar até um comercial durante o Super Bowl.

Manter um preço razoável para o controlador era importante para a Microsoft, disse Johnson. O produto custa US$ 100 (R$ 375), mas maximizar seu potencial - ao contrário do controlador regular, de US$ 60 (R$ 225), ele não vem joysticks analógicos ou controles tácteis - exige investimento maior.

Em seu site, a Microsoft menciona acessórios produzidos por terceiros, que variam de um pedal de US$ 20 (R$ 75) a um joystick operado com a boca, à venda por US$ 550 (R$ 2 mil).

A versatilidade do controlador, disse Johnson, também pode torná-lo atraente para os gamers profissionais, que apreciam qualquer vantagem técnica.

E a acessibilidade deve se tornar mais importante para o setor de videogames, agora que uma base envelhecida de usuários começa a enfrentar mais limitações físicas, entre as quais a deterioração dos controles motores finos, da visão e da audição.

A maioria dos jogos agora permite que os gamers alterem os controladores para que qualquer ação de jogo, como recarregar uma arma, possa ser atribuída ao controle físico preferido do usuário. Títulos de grande sucesso recentes, como "Uncharted 4: A Thief's End", e "Shadow of the Tomb Raider", permitem que os jogadores naveguem usando apenas um dos joysticks analógicos, e a Microsoft introduziu um recurso de copilotagem que permite que os dois joysticks funcionem como se fossem um.

O interesse ampliado em acessibilidade beneficiou pessoas que muitas vezes se voltam aos videogames para escapar às demandas físicas e pressões sociais do mundo real.

"Se você está na rua, todo mundo sabe que você é uma pessoa que sofre de sérias deficiências", disse Barlet. "Não há como ocultar o fato. Mas em um videogame, você é um jogador. Todos buscamos os videogames para obter certo nível de fantasia".

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacc

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