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Música
Descrição de chapéu The New York Times

Uma estrela pop brasileira pode conquistar os EUA? Anitta acredita que sim

'Já realizei muito mais do que imaginei que realizaria', diz cantora

Anitta Divulgação

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Carolina Abbott Galvão
The New York Times

"Meiga e Abusada", a canção de 2013 que primeiro levou a cantora brasileira Anitta, 29, ao sucesso, começa com um sample de Lady Gaga e uma afirmação confiante: "Eu posso conquistar tudo que eu quero", ela canta. "Mas foi tão fácil pra te controlar".

No vídeo musical da canção, filmado em parte em Las Vegas, Anitta dança no deserto usando uma camisa xadrez curtinha, bebe champanhe e vai aos cassinos de limusine. É uma declaração de sua força, e o momento do lançamento da canção a torna ainda mais ousada: dois meses antes que ela saísse, a sensação era de que nada aconteceria na carreira da cantora.

"Sou uma pessoa pessimista", disse Anitta, em português, em uma entrevista recente. Isso acontece em parte porque as probabilidades nunca a favoreceram claramente. "Quando eu era jovem, meu pai dizia que éramos pobres e eu não podia estudar arte", ela afirmou. "Ele achava que eu precisava ter um plano B".

Mas Anitta não tinha um plano B. Dede que lançou seu primeiro álbum, aos 20 anos, ela se transformou em uma das maiores estrelas pop do Brasil. Nos últimos 10 anos, ela lançou quatro discos de estúdio, cantou na abertura da Olimpíada de 2016 e conquistou numerosas indicações para o Grammy latino.

Anitta começou a cantar nas favelas do Rio de Janeiro, e o sucesso mais tarde a conduziu ao resto da América do Sul, onde uma série de sucessos cantados em espanhol e com participação de astros como J Balvin e Maluma cimentou seu status como uma das maiores estrelas da região.

O mercado dos Estados Unidos parecia ser a fronteira final. Este mês, Anitta vai cantar nos dois finais de semana do festival Coachella. Nesta terça (12), seu novo álbum trilíngue, "Versions of Me" –o primeiro desde que ela assinou com a Warner Records em 2021– chega ao mercado.

Uma cantora pop brasileira solo jamais se tornou estrela na América do Norte, mas a equipe e a gravadora de Anitta estão determinados a conseguir que isso aconteça, e essa determinação fica bem clara. Com faixas produzidas por criadores de sucessos conhecidos, como Ryan Tedder, Stargate e Andrés Torres e Mauricio Rengifo (que produziram "Despacito"), os "hooks" enxutos, melodias fortes e produção luxuosa do álbum sinalizam uma tentativa clara de conquistar um lugar para a cantora no mercado americano.

Falando por vídeo de sua casa em Miami, no final de fevereiro, Anitta estava sentada no sofá, usando uma camiseta Versace cor de laranja e sem maquiagem no rosto. Ela parecia cansada, mas sua postura era impecável. "Voltei ontem do Rio, e estava exausta. Trabalhei domingo, segunda, terça, quarta e quinta-feira sem parar", ela disse, acariciando seu cachorro, um galgo italiano chamado Plinio. (Cuja postura também era impecável.)

Anitta (nome de batismo: Larissa Machado) nasceu no bairro operário carioca de Honório Gurgel, e seu sucesso começou quando ela postou um vídeo que a mostrava cantando e segurando um frasco de desodorante como se fosse o microfone. O nome de palco que ela usa, uma homenagem a uma personagem que ela admirava em uma velha série de TV brasileira, "Presença de Anita", veio mais tarde. Na série, ela explica, Anita dizia que desejava acordar a cada dia como uma pessoa diferente. "Ela era romântica, sensual, inteligente e louca, tudo ao mesmo tempo". Anitta também gosta de brincar com essa ideia.

"As pessoas sempre querem definir as mulheres: ela é para casar? Ela é do tipo que vive saindo?", acrescentou a cantora. "Mas posso ser as duas coisas, não é?"

Anitta ganhou fama cantando em festas nas favelas do Rio de Janeiro. O funk carioca, ou baile funk, é um ritmo vibrante que emergiu predominantemente nos bairros de classe trabalhadora do Rio de Janeiro na década de 1980, e era a trilha sonora preferencial desses eventos, onde os sistemas de som costumam privilegiar o "tamborzão", a batida que caracteriza o gênero. "Eu comecei a incomodar todo mundo, pedindo para cantar em seus eventos, as proibidas", disse Anitta.

No começo da década de 2000, a polícia, que caracterizava esses bailes como terreno fértil para a violência entre gangues, começou a reprimir violentamente os eventos nas favelas do Rio de Janeiro, sob o pretexto de proteger a segurança pública. Embora o gênero agora seja tocado em alguns dos bairros mais ricos do país e em clubes que atraem o público antenado de Londres e Berlim, seus criadores, especialmente aqueles que anda não tenham conquistado fama, continuam marginalizados.

No pico do pânico moral quanto aos bailes funk, nem mesmo estrelas como Anitta escaparam incólumes. Quando ela cantou na cerimônia de abertura da olimpíada de 2016, ao lado dos ícones nacionais Caetano Veloso e Gilberto Gil, os críticos atacaram sua inclusão no evento, menosprezando-a como "favelada".

"O preconceito machuca", disse Anitta. "Mas o que artistas como Caetano, Marisa Monte, Djavan e Bethânia sempre me disseram foi que eles foram a Anitta de sua época", ela disse, se referindo a Maria Bethânia e outros astros que em sua maioria têm mais de 70 anos. (Monte, a mais jovem dos mencionados, já passou dos 50.) "Todo mundo dizia que eles eram vagabundos, e agora eles são ícones".

Veloso, um dos cantores e compositores mais reverenciados do Brasil, que colaborou com Anitta no passado, a elogiou em um email. "Anitta é muito competente, sincera, direta e simpática", ele escreveu. "Ela captura o ‘zeitgeist’ de maneira impressionante".

Na metade da década de 2000, M.I.A. e Diplo começaram a exportar o funk carioca para fora do Brasil por meio de canções como "Baile Funk One" e do documentário "Favela On Blast", mas o gênero não conseguiu espaço nas paradas de sucesso pop; Anitta ainda acredita que ele tenha o potencial de conquistar o mundo. E embora seu novo álbum experimente diversos estilos –o electro-pop de "Boys Don’t Cry", inspirado por Lady Gaga, o reggaeton dançante de "Gata"—, "Versions of Me" jamais abandona completamente as raízes da cantora.

Mas ela sabe que o sucesso às vezes exige tempo. "O principal é ter paciência e persistência", ela disse. "Precisamos fazer as coisas passo a passo".

Tedder, que comanda a banda One Republic e compôs sucessos para Beyoncé e Taylor Swift, aceitou o convite para se tornar produtor executivo do álbum ainda na metade de sua primeira sessão de gravação com ela. "Ela com certeza é a pessoa mais trabalhadora com a qual já colaborei", ele disse por telefone. "Não tem botão de desligar".

Tom Corson, copresidente do conselho e vice-presidente de operações da Warner Records, concordou: "Anitta tem tudo que é preciso para ser uma superestrela mundial". O plano? "Obviamente queremos discos de sucesso", disse Corson. "E gostaríamos de vê-la como uma força única no mercado dos Estados Unidos e no mercado mundial, se alternando entre idiomas". A comparação mais óbvia é Shakira.

Embora "Versions of Me" seja acima de tudo um projeto internacional, Tedder e Anitta insistiram em que os ritmos brasileiros tinham de ser parte dele. "Eu não queria desprestigiar a base de fãs brasileira que ela já construiu", ele disse.

Em "Faking Love" –uma faixa inspirada pelos bailes funk e com participação especial do rapper americano Saweetie—, Anitta e Tedder convidaram os produtores brasileiros Tropkillaz para participar da gravação em Los Angeles. "O movimento rítmico de uma bebida real de funk não usa o que chamamos de quantização", disse Tedder, se referindo ao software que torna perfeito o alinhamento do beat. "Tínhamos de programá-la com swing humano natural". Foram precisas diversas tentativas para que ele acertasse; Anitta sentou e ouviu cada uma delas até que a linha certa foi encontrada.

Anitta está ciente de que, com relação ao seu trabalho, ela é antes de tudo perfeccionista. Trabalhou durante anos com um terapeuta de voz para minimizar seu sotaque e, enquanto os retoques finais estavam sendo dados ao disco, ela ainda estava regravando partes de algumas das faixas. Faria diferença se ela cantasse em inglês com um sotaque forte? Não deveria, mas sim, ela disse. "Percebi que, se eu falasse mais devagar nas reuniões, ou com sotaque, as pessoas me respeitavam menos", ela disse, recordando como se sentia quando começou a fazer negócios nos Estados Unidos.

Em sua vida pessoal, as coisas são diferentes, mas é difícil abrir mão do controle completamente, se considerarmos que ela viveu por boa parte dela sob um microscópio. Anitta, que é bissexual, manteve aspetos importantes de sua identidade –entre os quais sua sexualidade– escondidos da imprensa brasileira por anos. "Era complicado, porque na época isso era um grande tabu", ela disse. "Muitos cantores não tinham assumido, e não os culpo, porque as pessoas realmente me atacaram".

Foi só depois que um segurança teve de perseguir alguém que havia fotografado a cantora beijando uma mulher em uma festa que ela percebeu que precisava parar de se esconder. "Minha mãe sabe que beijo meninas desde os 13 anos de idade; por que eu deveria me incomodar com o que outras pessoas pensam?", ela disse em uma segunda entrevista, erguendo as mãos para o alto para demonstrar exasperação. (Ela estava sentada no sofá de seu quarto de hotel em Los Angeles.)

Alguns aspectos da vida de Anitta também sofreram escrutínio muito forte politicamente. A cantora foi criticada em 2018 quando não condenou abertamente o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de extrema direita, nos estágios iniciais da campanha dele. Mas ela insiste em que tinha motivo para isso. "Eu estava passando por minha iniciação religiosa", disse. No candomblé, que combina crenças ioruba, fon e banto, as iniciações tipicamente requerem que uma pessoa passe 21 dias isolada. "Eu não tinha como contatar o mundo externo".

Quando ficou claro que Anitta teria de dizer alguma coisa, ela ligou para uma amiga, Gabriela Prioli, advogada, jornalista e comentarista política, e pediu ajuda. "Eu não entendia coisa alguma, não sabia o que um congressista faz ou o que um vereador faz", ela disse. "Não tenho vergonha de dizer, porque a maioria dos brasileiros não sabe".

No fim, Anitta achou a conversa tão útil que decidiu começar a postar aulas de educação política com Prioli em sua conta do Instagram, e espera retomá-las para a eleição deste ano. Anitta agora se opõe firmemente a Bolsonaro. No final de março, quando advogados que representam o partido do presidente apelaram ao Superior Tribunal Eleitoral para que impedisse artistas de fazerem "manifestações políticas" em seus shows, Anitta encorajou outros músicos a desafiá-los. "Aos meus amigos que quiserem falar: pago suas multas", ela disse em uma história no Instagram.

Bolsonaro e Anitta às vezes trombam na mídia social, onde a cantora tem 61 milhões de seguidores só no Instagram. "Ele sabe que seus partidários conservadores não gostam de mim e usa meu nome para ganhar atenção", ela disse.

O número de seguidores dela só deve crescer nos próximos meses. Popularizado pelo "paso de Anitta" –o nome em espanhol para o passo de dança da cantora—, seu hit no TikTok, "Envolver", é a primeira canção de um artista brasileiro a chegar aos 10 primeiros lugares na parada mundial do Spotify. No final de março, "Envolver" chegou ao primeiro posto.

A apresentação de Anitta no palco principal do Coachella é outro passo inédito para um artista brasileiro. "Não quero pensar a respeito", ela disse. "Fico ansiosa". Mas ela não consegue evitar pensar a respeito.

Anitta disse que os ensaios para o show estão acontecendo no Rio, onde ela tem a ajuda de um coreógrafo americano e um brasileiro. ("Queria combinar as duas culturas", disse.) E depois disso? "Só planejei minha vida até o Coachella", ela disse, brincando mas só até certo ponto.

"Não quero planejar demais", disse a cantora. É assim que a música se torna repetitiva. "Sei o que quero fazer; se as coisas derem certo, ótimo", ela acrescentou. "Se não, também ótimo". Anitta nem sempre foi assim. "Mas já realizei muito mais do que imaginei que um dia realizaria. Se eu for dormir agora e acordar com 40 anos, ainda sentiria que fiz o que planejava fazer".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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