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Música
Descrição de chapéu The New York Times grammy

Grammy de Louis C.K. após assédio provoca protestos entre comediantes

Mulheres do humor criticam prêmio e falam em mensagem perturbadora

Louis C.K. Adrian Sanchez-Gonzalez - 28.fev.16/ AFP

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The New York Times

"Como é que foram os dois últimos anos de suas vidas?", diz o comediante Louis C.K. à plateia na primeira faixa de seu álbum "Sincerely Louis C.K.". "Como é que vocês passaram 2018 e 2019, pessoal? Alguém mais por aí se afundou em problemas de escala mundial?"

Foi o que aconteceu com o comediante, depois de ele ter admitido, em 2017, diversos incidentes em que se masturbou diante de mulheres. Algumas dessas mulheres declararam em entrevistas que ele o tinha feito sem o consentimento delas; em uma declaração na qual admitiu os incidentes, ele afirmou que sempre pediu autorização primeiro, mas que mais tarde percebeu que isso era insuficiente, porque existiam diferenciais de poder em jogo. Por um breve período, ele desapareceu de todas as ocasiões públicas; um filme que ele dirigiu e no qual estrelava teve sua distribuição cancelada, e outros contratos de trabalho que ele havia assinado desapareceram, nos dias iniciais do movimento # MeToo.

Mas Louis C.K. voltou ao humor stand-up, primeiro em casas noturnas de comédia e depois em estabelecimentos maiores, em muitos casos com plateias lotadas. E recentemente ele recebeu um sinal de apoio da indústria do entretenimento: "Sincerely Louis C.K.", seu primeiro disco desde o escândalo, conquistou o Grammy como melhor álbum de comédia.

A resposta à premiação dele foi menos que jubilosa. O nome de Louis C.K. se tornou "trending topic" no Twitter, e muitos humoristas, fãs da comédia e outros observadores questionaram a Academia da Indústria Fonográfica por conceder um prêmio a um sujeito com um histórico confesso de impropriedades sexuais.

"A todas as mulheres que foram assediadas e sofreram abusos no ramo da comédia: eu as vejo e ouço, e estou muito, muito furioso", escreveu Jesse Thorn, apresentador de um podcast de entrevistas com humoristas, em um tuite, acrescentando diversos palavrões.

Algumas mulheres do mundo da comédia compartilharam suas reações ao prêmio. Jen Kirkman postou um trecho de seu disco mais recente, "OK, Gen-X", em que relata seu encontro com Louis C.K. Ela tinha evitado falar a respeito em detalhes, anteriormente, explica na gravação, devido às reações negativas e ameaças que recebeu. "Vou encaminhar a você as ameaças de estupro que vier a receber depois disso", ela disse.

No último dia 3, Kirkman reproduziu algumas das mensagens dos simpatizantes de Louis C.K., que responderam a ela em muitos casos com expressões de ódio e usando termos que minimizam as experiências sofridas pelas sobreviventes de agressões sexuais.

A comediante australiana Felicity Ward ofereceu uma longa lista de humoristas, quase todos mulheres, que "nunca agrediram a qualquer pessoa sexualmente". Ela acrescentou: "São essas as pessoas que vocês deveriam seguir online, assistir ao vivo, e cujas gravações vocês deveriam comprar".

E a humorista Mona Shaikh escreveu, em artigo para a revista The Hollywood Reporter, que o prêmio a Louis C.K. enviava uma mensagem perturbadora.

"O establishment da comédia envia um apito para cachorros aos predadores sexuais, perdoando suas ações abusivas desde que eles ofereçam um pedido superficial de desculpas (muitas vezes redigido por seus relações públicas) e passem um ano ou pouco mais escondidos", ela escreveu. "Depois disso, estão autorizados a ressurgir e retomar suas carreiras".

No final do ano passado, depois que a indicação de Louis C.K. e de outros artistas, como Marilyn Manson –que está sendo investigado por diversas acusações de abuso sexual–, atraiu indignação pública, Harvey Mason Jr., presidente-executivo da Academia da Indústria Fonográfica, defendeu o direito de indicar qualquer pessoa, desde que esta cumpra as regras de elegibilidade da academia.

"Não vamos contemplar o histórico de uma pessoa, não vamos contemplar sua ficha criminal, não vamos contemplar qualquer outra coisa que não a legalidade dentro de nossas regras, ou seja, se a gravação é elegível com base em data e outros critérios", ele declarou à revista especializada The Wrap. (Manson foi mais tarde retirado da lista de indicações a um prêmio de composição, como um dos autores de "Jail", de Kanye West, mas continuou elegível para o Grammy como um dos colaboradores de West no álbum "Donda", indicado ao prêmio de disco do ano.)

Em lugar de estabelecer regras quanto a quem pode ser nomeado, Mason disse que o Grammy deveria se concentrar em lugar disso nas restrições a quem será convidado para a cerimônia de premiação, realizada este ano em Las Vegas. O prêmio por disco de comédia foi uma das dezenas de troféus entregues em uma cerimônia realizada antes da transmissão ao vivo do Grammy, e Louis C.K. não compareceu. Representantes da Academia da Indústria Fonográfica não responderam a pedidos de comentário.

No disco, em meio a gracejos sobre religião, idade e sexo, Louis C.K. trata algumas vezes de seus delitos de conduta, quase sempre em tom brincalhão. "Cara, eu estava realmente encrencado", ele diz logo na abertura. "Espere até as pessoas verem minhas fotos em ‘blackface’. Isso sim vai complicar as coisas. Porque há muitas delas. Milhares de fotos que me mostram em ‘blackface’. Não consigo me controlar. Eu só... gosto disso. Gosto da sensação que isso me dá".

O troféu deste ano é o terceiro Grammy de Louis C.K. na categoria melhor álbum de comédia. A Academia da Indústria Fonográfica não revela detalhes sobre como seus mais de 11 mil integrantes elegíveis votam. Há limitações quanto às categorias em que os integrantes podem votar, e a academia encoraja que as pessoas votem para os prêmios das áreas que conhecem melhor. O processo de indicação ao prêmio foi alterado este ano depois de queixas quanto a agendas secretas e desigualdade competitiva, e de boicotes por grandes artistas como the Weeknd.

Nos últimos anos, a Academia da Indústria Fonográfica também vem sofrendo acusações frequentes de que não inclui ou premia em quantidade suficiente o trabalho de mulheres e de pessoas não brancas, e a organização prometeu melhorar. Mas um relatório divulgado no mês passado pela Annenberg Inclusion Initiative, da Universidade do Sul da Califórnia, determinou que o número de mulheres que recebem crédito por canções pop continua inalterado há cerca de uma década, e que um esforço liderado pelo Grammy para promover a contratação de mais mulheres como produtoras e engenheiras de gravação teve efeito praticamente nulo.

A categoria de humor mudou de nome e também de foco, ao longo dos anos, quando as gravações de comédia migraram da música para o humor verbal. Bill Cosby é o recordista do prêmio, tendo ganho sete Grammys; em 2012, um de seus álbuns também foi conduzido ao Hall da Fama do Grammy. Nos 64 anos de história do prêmio, mulheres foram indicadas mais de 40 vezes na categoria melhor disco de comédia, mas só cinco foram premiadas: Elaine May (em dupla com Mike Nichols), Lily Tomlin, Whoopi Goldberg, Kathy Griffin e, em 2021, Tiffany Haddish.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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