Por que o bebê da capa de 'Nevermind', do Nirvana, abriu um processo agora
Durante 30 anos, Spencer Elden se mostrou ambivalente sobre imagem
Durante 30 anos, Spencer Elden se mostrou ambivalente sobre imagem
Spencer Elden, 30, tinha quatro meses de idade quando foi fotografado por um amigo de sua família, flutuando nu em uma piscina. A foto, tirada no Rose Bowl Aquatics Center, em Pasadena, Califórnia, seria usada naquele ano na capa de “Nevermind”, o seminal segundo álbum do Nirvana, que ajudou a definir a Geração X e arremessou a banda de Seattle para o sucesso internacional.
Nas décadas seguintes, Elden parecia celebrar sua participação na capa clássica, e recriou o momento para o 10º, 17º, 20º e 25º aniversários do disco, embora não nu. “É cool mas estranho, ser parte de algo tão importante mas de que eu nem mesmo consigo lembrar”, ele disse em 2016 em uma entrevista ao jornal New York Post, para a qual ele posou aos 25 anos com a capa do disco nas mãos.
Agora, no entanto, Elden abriu um processo na Justiça federal americana contra o espólio de Kurt Cobain, contra os ex-colegas de banda dele, David Grohl e Krist Novoselic, e contra a viúva de Cobain, Courtney Love, e outros envolvidos. Ele afirma que todos eles, e a gravadora Geffen Records, que lançou “Nevermind”, lucraram com sua nudez. O disco é um dos maiores sucessos de todos os tempos, com mais de 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.
“Os acusados deliberadamente produziram, detiveram e apregoaram pornografia infantil comercial com a imagem de Spencer, e receberam valores deliberadamente por fazê-lo”, de acordo com a petição do processo, aberto na terça-feira em um tribunal federal americano na Califórnia.
Elden sofreu “danos permanentes” por conta de sua associação com o álbum, o que inclui perturbações emocionais e “uma perda de capacidade de ganhar seu sustento que prejudicou sua vida inteira”. O processo não oferece detalhes sobre essas perdas e afirmou que eles seriam revelados durante o julgamento.
Elden, que é artista e vive no condado de Los Angeles, passou por anos de terapia por conta do efeito de sua foto na capa do álbum sobre ele, disse Maggie Mabie, uma de seus advogados. “Todas as pessoas a quem ele encontra já viram sua genitália”, ela disse. “Isso é um lembrete constante de que ele não tem privacidade. A privacidade dele não tem qualquer valor para o resto do mundo”.
A petição informa que Elden está solicitando US$ 150 mil (quase R$ 790 mil) em indenização de cada uma das 15 pessoas e empresas citadas no processo, entre as quais Kirk Weddle, o fotógrafo responsável pelo retrato. Weddle não respondeu a pedidos de comentários.
A foto de Elden foi escolhida entre as dezenas de fotos de bebês que Weddle fez para a capa do álbum, que Cobain concebeu como uma imagem de um bebê embaixo da água. Weddle pagou US$ 200 (R$ 1.050) aos pais de Elden pela foto, que mais tarde foi alterada para mostrar o bebê tentando apanhar uma nota de um dólar, pendurada de um anzol.
“Eles estavam tentando criar controvérsia, porque controvérsia vende”, disse Mabie. “O objetivo não era só criar uma imagem ameaçadora, mas cruzar uma linha, e eles o fizeram de uma maneira que expôs Spencer, de forma a que pudessem lucrar com isso”.
Ela disse que seu cliente em diversos momentos concordou quando a banda, veículos de mídia e fãs pediram que ele recriasse a foto como adulto, mas que veio a perceber que isso só resultava em que “sua imagem como bebê fosse ainda mais explorada”.
Representantes do espólio de Cobain não responderam de imediato a uma mensagem na qual solicitamos comentários. Representantes de Grohl, Love e da Geffen Records, agora parte do Universal Music Group, não responderam a mensagens.
Elden, que se recusou a comentar sobre seu processo, disse em um documentário curto de 2015 que a capa do disco havia “aberto portas” para ele. Ele disse, por exemplo, que teve a oportunidade de trabalhar com Shepard Fairey, um artista processado pela agência de notícias Associated Press pelo uso de uma imagem de Barack Obama em sua obra “Hope”.
Ao longo dos anos, ele expressou ambivalência sobre a capa. “Seria legal se eu tivesse ganhado uma moeda de cada pessoa que viu meu pênis de bebê”, ele disse na entrevista ao New York Post em 2016.
Em outra entrevista naquele ano, ele se disse zangado por as pessoas continuarem a falar do assunto. “Recentemente comecei a pensar: e se por acaso eu não achasse bacana que meu maldito pênis seja mostrado para todo mundo? Eu não tive escolha a respeito”, disse Elden à revista QG Austrália.
Ele disse que seus sentimentos com relação à capa começaram a mudar “alguns meses atrás, quando procurei o Nirvana para ver se eles queriam fazer parte de minha exposição de arte”. Elden disse que foi instruído a contatar empresários e advogados. “Por que continuo na capa do disco deles se não tenho qualquer importância?”, ele disse.
Mabie disse que Elden se sente desconfortável há muito tempo com as imagens e que tinha expressado essa insatisfação em entrevistas anteriores, quando era adolescente. “Elden jamais consentiu quanto o uso dessa imagem ou a exibição dessas imagens”, disse a advogada. “Mesmo que tenha recriado as imagens mais tarde em sua vida, ele estava vestido e era adulto, ou seja, as circunstâncias eram diferentes”.
Mabie disse que os pais dele jamais foram cientificados de como as imagens seriam usadas, ou consentiram quanto a isso. Ela apontou que Cobain certa vez sugeriu colar uma etiqueta sobre a genitália do bebê, depois que surgiu resistência à ideia da capa.
O músico, que morreu em 1994, disse que a etiqueta deveria conter os dizeres “se você se sente ofendido por isso, provavelmente é um pedófilo enrustido”. Elden está pedindo que “o Nirvana faça o que deveria ter feito 30 anos atrás e cubra as imagens da genitália dele na capa do disco”, disse Mabie.
O processo não é um caso típico de pornografia infantil, disse Mary Graw Leary, professora da Escola Columbus de Direito, na Universidade Católica Americana. “A nudez de uma criança não basta para definir pornografia”, ela disse. “A pornografia infantil típica que vemos em casos policiais e judiciais pode ser violenta. As crianças são pequenas e as imagens são muito explícitas”.
Mas existem fatores, sob as leis federais, que permitem que um juiz ou júri determine se a foto de um menor “constitui uma exibição lasciva da genitália”, o que inclui a posição desta como ponto focal de uma foto, disse Graw Leary. Essa parte da lei confere “mais autonomia ao tribunal”, ela disse. “Não é um caso com respostas fáceis”.
Os comentários anteriores de Elden sobre a capa não devem solapar sua atual afirmação de que foi vítima de pornografia infantil, ela acrescentou. A lei não distingue entre crianças que denunciam imediatamente os responsáveis por abusos contra elas e crianças que inicialmente não deram importância ao que lhes tenha acontecido, disse Graw Leary.
“Não queremos estar na posição de só considerarmos um caso como criminoso porque, em outro caso, a criança não deu grande importância ao acontecido na época”, disse Graw Leary. “Não queremos proteger apenas algumas crianças”.
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