Música
Descrição de chapéu The New York Times

Dave Grohl se torna amigo de baterista mirim após ser desafiado por ela na internet

Líder do Foo Fighters convidou garota para compor e tocar juntos no Reino Unido

Dave Grohl e Nandi Bushell durante encontro virtual em novembro de 2020

Dave Grohl e Nandi Bushell durante encontro virtual em novembro de 2020 Magdalena Wosinska/The New York Times

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Jeremy Gordon
The New York Times

Não era preciso ter decorado nota por nota o angustiado clássico do rock “In Bloom”, do Nirvana, para admirar o espetáculo de uma garotinha acompanhando a canção na bateria em sincronia perfeita, em um vídeo postado em novembro, com uma expressão apaixonada e repleta de alegria no rosto.

A internet é um campo aberto para que pessoas comuns demonstrem sua capacidade de realizar façanhas impressionantes, e há cerca de dois anos, Nandi Bushell, que mora em Ipswich, na Inglaterra, vem atraindo uma audiência sólida ao gravar covers de músicos muito variados, como o White Stripes, Billie Eilish e Anderson .Paak. Às vezes seu pai, John, e irmão, Thomas, a acompanham, mas Bushell é a estrela, combinando virtuosismo técnico com um estilo vistoso e alegre (e gritinhos entusiásticos).

Ver Bushell em ação imediatamente impressionou Dave Grohl, líder do Foo Fighters e baterista do Nirvana, que tocou em “In Bloom”, no primeiro disco de grande sucesso da banda, “Nevermind”, de 1991. Grohl não costuma usar mídia social, e só descobriu o vídeo, que tinha se tornado sucesso viral, quando o produtor do disco, Butch Vig, lhe enviou uma cópia.

“Assisti admirado, não só por ela estar acertando todas as partes mas pelos gritos que soltava quando fazia os rufos”, disse Grohl em uma entrevista recente por vídeo. “Havia alguma coisa especial em ver a alegria e energia de uma garota apaixonada por um instrumento. Ela parecia uma força da natureza”.

Mesmo assim, ele assistiu ao vídeo como a qualquer outro conteúdo –você assiste, curte, repassa e esquece. Mas algumas semanas atrás, outro vídeo de Bushell chegou a Grohl, por meio de uma onda de mensagens de texto enviadas por amigos do mundo inteiro. E no novo vídeo, Bushell tinha prefaciado sua cover de “Everlong”, canção de 1997 do Foo Fighters, com um desafio a Grohl para um duelo de bateristas. As regras de um duelo de bateria não são administradas por qualquer organização central, mas a expressão empolgada de Bushell e seu domínio da velocidade acelerada da canção indicavam que Grohl teria uma batalha de verdade em suas mãos, caso optasse por aceitar.

Em entrevista em vídeo, Bushell ofereceu uma explicação muito simples sobre o motivo do desafio a Grohl: “Ele é baterista, tocou bateria para algumas bandas; por que não aceitaria?” Bushell tem 10 anos, e a claridade de sua lógica –a palavra favorita dela talvez seja “épico”– é refrescante. Grohl é seu baterista favorito, e quando perguntei a razão, ela disse que “ele castiga muito a bateria, e eu gosto disso”.

Ao mesmo tempo, Grohl é casado, pai de três filhos e está preparando o lançamento de “Medicine at Midnight”, o 10º disco de estúdio do Foo Fighters, em fevereiro, no 25º aniversário da banda. “A única coisa que nunca tínhamos feito foi um disco de festa, para dançar, e usar essas duas expressões na mesma sentença que ‘Foo Fighters’ era meio apavorante”, ele disse, antes de mencionar álbuns de roqueiros cujo foco era a música para dançar, como “Let’s Dance”, de David Bowie, e “Tattoo You”, dos Rolling Stones.

A despeito da agenda cheia, e depois de ser pressionado pelos colegas, Grohl aceitou o desafio, com uma versão de “Dead End Friends”, do Them Crooked Vultures, uma das muitas bandas em que ele tocou ao longo dos anos. “Primeiro pensei que não proporia nada de complicado demais, porque queria que o desafio fosse divertido”, ele disse. “Não sou um baterista muito técnico, sou um baterista de banda de garagem, de batida seca, e é isso aí”.

Bushell respondeu com outro desempenho astuto e entusiástico, dois dias mais tarde; Grohl se declarou derrotado, e desde então os dois têm trocado gravações. Ele gravou uma composição original sobre Bushell (uma amostra da letra: “ela tem força/ela tem soul/vai salvar o mundo com seu rock’n’roll”. Bushell retribuiu o cumprimento com uma composição própria, “Rock and Grohl”. Os vídeos atraíram milhões de visitas no YouTube e Twitter, fazendo do assunto uma das poucas histórias descomplicadas, positivas e alegres dos últimos meses.

Parte da atração é a maneira pela qual o elo entre os dois transcende gerações e a geografia. Grohl está na ativa musicalmente desde a década de 1980, enquanto Bushell começou a tocar bateria aos cinco anos de idade, em 2015. Há algo fundamentalmente encantador em ver um homem branco de 51 anos, morador de Los Angeles há muito tempo, formando uma conexão com uma britânica de origens raciais mistas, por intermédio do poder da mídia social, e quanto a um estilo de música que supostamente importa cada vez menos.

O rock é considerado como um um gênero em declínio, culturalmente –em uma resenha do disco “Sonic Highways”, que o Foo Fighters lançou em 2014, Ben Ratliff, o crítico de música pop do The New York Times declarou que “o rock já não lidera mais o discurso”. Esse diagnóstico só ganhou vulto nos últimos anos, quando gêneros mais apropriados ao streaming floresceram, mas o diálogo entre Grohl e Bushell oferece provas visuais de que os prazeres elementares do rock ainda não desapareceram de todo, entre os mais jovens.

É claro que a amizade virtual da dupla também decolou durante a pandemia do coronavírus, que interrompeu unilateralmente as apresentações de música ao vivo praticamente no mundo todo, e reduziu muito as oportunidades de trabalho dos músicos. Em um ano normal, o Foo Fighters estaria em turnê e Bushell ainda estaria participando de “jam sessions” semanais na região de Ipswich, onde ela desenvolveu seu talento ao tocar com músicos adultos. Em lugar disso, Grohl e Bushell, assim como milhões de outros músicos e fãs de música, se viram confinados às suas casa e esferas sociais imediatas.

Para Grohl, o desafio ajudou a reorientar suas prioridades durante esse ano bizarro. “Percebi que isso era mais que uma disputa para ver quem tem mais técnica, e que levava muita alegria às pessoas em um momento no qual todo mundo precisava de um pouco disso”, ele disse, acrescentando que “o processo na verdade mudou a maneira pela qual encaro o que minha banda faz, em um momento como o atual”.

Desde que os desafios começaram, o Foo Fighters vem gravando versões minimalistas de suas músicas, como se estivesse tocando ao vivo, e comerciais falsos cômicos, tudo com o objetivo de manter a conexão com a audiência. “Se isso vai proporcionar às pessoas cinco, 15 ou 20 minutos de felicidade durante o dia, é o que deveríamos estar fazendo”, ele disse.

O pai de Bushell, John, expressou sentimento semelhante. “É uma experiência maravilhosa, e nossos corações, como pais, se enchem de felicidade, exatamente como os das pessoas que assistem aos vídeos”.

Perto do final de minha conversa em vídeo com Grohl, Bushell entrou no papo e enfim conheceu seu ídolo. “Minha sensação é a de estar sendo apresentado a um dos Beatles”, disse Grohl quando o rosto dela apareceu na tela. (Outra coincidência: os dois bateristas se sentiram atraídos pelo instrumento depois de ouvir os Beatles.) Eles nunca tinham interagido diretamente antes, e, como seria de esperar, Bushell ficou meio travada ao conhecer seu herói. Mas Grohl é considerado como um dos sujeitos mais amistosos da música, e não demorou para que ela começasse a mostrar sua casa toda, e os membros de sua família, para ele.

Os dois combinaram compor uma canção juntos (com batida rápida, a pedido de Bushell), e tocar juntos quando o Foo Fighters puder excursionar pelo Reino Unido. “Mas tem de ser no fim do set, porque você vai roubar o show”, ele disse.

Quanto ao próximo passo do desafio, a bola está na quadra de Grohl. “Tive uma ideia de como responder à sua última canção, mas ainda não gravei”, ele disse. “É um projeto grande. Não quero entregar o que é por enquanto. Mas é uma ideia boa”. “Vou ficar esperando”, disse Bushell.

Tradução de Paulo Migliacci

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