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Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

Indústria da moda tem primeira top 'midsize', meio-termo entre a modelo 'tábua' e a 'plus size'

Jill Kortleve é uma das poucas a usar tamanho 42 a 44 nos desfiles de alta-costura

Jill Kortleve, a top 'midsize' que vem fazendo sucesso na indústria da moda - Melissa Schriek/The New York Times
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Elizabeth Paton
The New York Times

No desfile de alta-costura da Chanel em Paris, no mês passado, uma das modelos tinha uma característica que a distinguia de todas as outras que estavam na passarela.

Jill Kortleve é uma mulher de beleza impressionante, com olhos amendoados, sobrancelhas vastas e escuras e maçãs do rosto cinzeladas. Desde a sua estreia na passarela, desfilando para Alexander McQueen em 2018, ela apareceu em numerosas capas de revistas; participou de desfiles das grifes Versace, MaxMara e Jacquemus; e estrelou campanhas publicitárias para a Valentino Beauty e Fendi, para nos limitarmos a apenas alguns exemplos.

Mas o que faz dela uma estrela invulgar para a indústria da alta moda não é o fato de que tenha 29 anos, o que a torna mais velha do que muitas de suas colegas, ou sua estatura de 1,73 metro, que a torna também mais baixa do que muitas delas. O diferencial é que Kortleve usa tamanhos oito ou 10 no padrão americano [42 a 44 no Brasil], ou seja, o chamado "tamanho médio" –um termo que o setor emprega para designar o meio-termo entre "petite" e "plus size". Mas a norma para as modelos da indústria da moda continua a ser o tamanho "tábua", ou seja, inferior a 36.

As modelos "plus size", que tipicamente usam roupas com tamanho 46 ou acima, ganharam representação maior na indústria da moda. Modelos "curvilíneas" como Paloma Elsesser, Precious Lee e Ashley Graham vêm construindo carreiras prósperas.

Já Kortleve nos últimos anos se transformou em uma das poucas modelos de tamanho médio a ganhar destaque. Em janeiro, ela foi a única modelo de tamanho médio selecionada pela Chanel para seu desfile de alta-costura. Em desfiles como o da grife Valentino, havia um punhado de outras modelos desse porte, mas na temporada passada da moda Kortleve foi a única modelo de tamanho médio a ser escalada para seus desfiles pelos nomes de maior destaque no calendário da alta-costura.

A diversidade (ou a falta dela) nas passarelas vem causando intenso escrutínio nos últimos anos. Assim, em um momento no qual a moda de tamanho médio vem ganhando impulso em outras áreas —no mercado de massa para roupas e no TikTok, onde o hashtag #midsize atraiu mais de quatro bilhões de visitas até agora– por que é que ele continua a ser ignorado pelos soberanos da moda de luxo? E estamos em 2023: o que é mesmo que o setor quer dizer com "midsize" ou tamanho médio?

'AINDA A ÚNICA'

Muitos dos dados sobre o tamanho médio dos vestidos vendidos nos principais mercados de consumo estão desatualizados. Estatísticas frequentemente mencionadas, que sugerem que o tamanho médio dos vestidos usados pelas mulheres britânicas e americanas é o 50, em geral derivam de estudos publicados em 2016 ou ainda antes disso.

A maneira pela qual certos tamanhos se traduzem em medidas mudou ao longo do tempo e varia substancialmente de marca para marca e de traje para traje, o que é uma das razões para que milhões de mulheres tenham dificuldades para comprar roupas que lhes sirvam.

"É impossível dizer com verdadeira precisão qual é o tamanho médio da roupa para uma mulher nos Estados Unidos", disse Renee Engeln, diretora do Body and Media Lab da Universidade Northwestern, em um email. Ela se recusou a definir numericamente que tamanhos estão na gama do médio e que tamanhos deveriam ser classificados como "plus size".

"A paisagem da moda feminina é inacessível para muitos tipos de corpo, mas não porque seja difícil determinar se a chamada ‘mulher média’ é grande ou pequena", disse Engeln. "O problema é que os grandes operadores da indústria da moda ainda optam por excluir as mulheres cujos corpos são incompatíveis com a imagem de marca que querem cultivar."

Kortleve, que tem origens holandesas e surinamesas, pode estar registrando muito sucesso no momento, mas seu começo de carreira como modelo foi desconfortável, quando ela se mudou para Amsterdã aos 18 anos. Ela estava determinada a ser uma modelo de sucesso ao molde tradicional da profissão, usando figurinos de tamanho 36 ou menor. E encontrou muita dificuldade para isso.

"Eu estava constantemente de dieta, 24 horas por dia, sete dias por semana, e me esforçava demais para me adequar ao padrão da indústria", disse Kortleve, recentemente, em uma tarde gelada e fustigada pelo vento em Amsterdã. "Eu era antissocial, me sentia péssima, e jamais conseguia ficar ‘magra’ o suficiente para conquistar trabalhos, de qualquer maneira, e por isso a sensação era a de que eu estava me forçando a morrer de fome por nada."

"Eu tinha na cabeça uma ideia fixa da aparência que uma modelo precisava ter se quisesse fazer sucesso", disse Kortleve, bebendo uma Coca-Cola. "Eu tinha 92 centímetros de quadril, mas isso ainda estava bem longe de ser suficiente –para referência, o que eles pedem hoje são 105 centímetros. E enfim cheguei a um ponto de colapso, mental e físico. Tive de me afastar."

Esse afastamento significou uma longa viagem a Bali e tatuar "SELF LOVE" em suas mãos antes que ela decidisse retornar à carreira de modelo, em 2018, com um peso mais saudável –e, por sorte, em um momento no qual representações mais amplas da beleza começaram a emergir nas passarelas da alta moda. Em setembro daquele ano, ela foi escolhida para um desfile de Alexander McQueen, apesar de ser virtualmente desconhecida. Depois disso, Kortleve começou a ser chamada para trabalhos com mais frequência, até 2020, quando manchetes a rotularam como a primeiro modelo curvilínea ou "plus size" a desfilar para a Chanel desde Crystal Renn, uma década antes.

Exceto que Kortleve usava –e continua a usar– roupas tamanho 44, o que, fora da indústria da moda, quase ninguém definiria como "plus size".

"É problemático, com certeza", disse Kortleve. "Claramente não sou uma modelo ‘plus size’, e eu nunca tive de enfrentar as situações que minhas colegas ‘plus size’ enfrentam por não conseguirem encontrar roupas de seu tamanho nas lojas; isso não acontece com alguém do meu tamanho."

"Não quero ser rotulada ou colocada em qualquer categoria, não importa que seja a de modelo ‘tábua’, ‘midsize’, ‘plus size’ ou qualquer outra coisa", ela acrescentou.

Hoje em dia, disse Kortleve, as pessoas querem olhar para as revistas ou o Instagram e se sentir representadas, particularmente os consumidores mais jovens. "As marcas sabem que escalar alguém de um peso mais normal, como eu –algo que continua a ser chamado de tamanho médio—, as ajuda a parecer mais próximas de atingir essa posição junto aos seus clientes", ela disse. "Mesmo que muitas vezes eu continue a ser a única modelo do meu tamanho nos eventos."

UM MOVIMENTO, OU UM MOMENTO, PARA O TAMANHO MÉDIO?

Alexandra van Houtte, presidente-executiva do Tagwalk, um serviço de busca de moda, observou que embora a sua plataforma tenha "tags" de referência para 83 modelos curvilíneas, o banco de dados do Tagwalk só inclui três modelos "midsize": Kortleve, Celina Ralph e, mais recentemente, Ajok Daing.

Durante a mais recente temporada de desfiles de prêt-à-porter, em setembro, Van Houtte disse que mais de metade dos desfiles das "fashion weeks" continuavam a não incluir modelos cujos tamanhos fossem superiores a 36 ou 38, talvez não por coincidência, já que vivemos um momento em que a magreza extrema voltou a estar em moda.

"Infelizmente, minha sensação é a de que recuamos, nas passarelas, em termos de representação de tamanho —especialmente na Europa", disse Kenya Hunt, editora da revista Elle UK. Depois de anos de ganho de influência pelo movimento da positividade corporal, agora há uma estagnação em termos de inclusão de tamanho, em contraste com uma melhor representação em termos de raça, idade e gênero. Modelos podem satisfazer esses outros quesitos de representatividade e continuar sendo magros.

"Muitas das modelos escaladas para as ‘fashion weeks’ estão voltando a se sentir performativas", disse Mina White, uma agente da IMG Models, que representa Kortleve desde o ano passado. "Ter apenas uma ou duas modelos curvilíneas ou de tamanho médio por desfile não reflete uma mudança significativa ou verdadeira inclusão. É só uma representação simbólica, especialmente se qualquer diversidade de tamanhos diante da câmera não se traduzir em que os figurinos para mulheres de tamanho médio ou ‘plus’ vistos nas passarelas cheguem mais tarde às lojas."

Embora essa categoria possa estar sendo esquecida pela corrente dominante da moda, milhares de utilizadores do TikTok que se consideram como pessoas de tamanho médio estão criando conteúdo sobre ela, o que inclui testes de roupas de marcas de moda que oferecem modelos em tamanho médio, ou cópias de produtos de marcas de luxo que pessoas como eles não têm dinheiro para comprar. Outros criadores oferecem dicas sobre como as pessoas devem se vestir para enfatizar as suas melhores características e minimizar aquelas sobre as quais se sintam menos confiantes; há também discussões sobre o poder manipulador do marketing e a aversão das marcas à gordura, e sobre como escapar a isso.

No entanto, apesar dessas notas edificantes, as redes sociais também podem oferecer um portal para páginas que promovem a magreza excessiva e difundem mensagens tóxicas. Mas Kortleve se sente encorajada ao ver os jovens chamando a atenção para a questão da vergonha induzida quanto ao corpo, e sobre a necessidade de que as pessoas criem pessoalmente modas para os corpos reais que elas têm, se a indústria da moda não o fizer.

"Isso honestamente me deixa feliz e aliviada", ela disse. "Sinto uma responsabilidade real por representar mulheres que têm corpos parecidos com o meu no mundo da moda, mas também existe uma pressão muito grande. Tipo, se eu não desfilar, ou se disser não a um convite de desfile, será que eles vão escalar outra garota de tamanho médio? Ou voltar ao seu padrão de sempre e recuar ao passado?"

Tanto Kortleve quanto White disseram que uma melhor representação só seria alcançada quando o tamanho das peças criadas como amostra deixar para trás o manequim 36 tradicional e quando todas as sessões de fotos e de ajustes de roupas oferecerem opções de tamanhos médios e "plus", o que significa que modelos dessas categorias podem ser contratadas para exibir as peças. Se as roupas não servirem ou não caírem bem, as coleções precisam passar por uma curadoria que satisfaça uma variedade de formas de corpo.

Por enquanto, as modelos de tamanho médio e "plus" quase sempre têm peças produzidas especialmente para elas —criações únicas que podem lhes valer capas de revistas ou presença em outdoors, mas nunca entram em produção para que mulheres comuns possam comprá-las. Para Engeln, a ausência de uma infraestrutura industrial que permita o sucesso de modelos maiores sublinha o fato de que as marcas ainda estão empenhadas na ideia de que os modelos de tamanho minúsculo lhes dão mais dinheiro, mesmo que o movimento de tamanho médio no TikTok sugira que exista um mercado mais abrangente.

"Nas imagens vistas na mídia, a ligação entre dinheiro e magreza é inegável", disse Engeln. A principal motivação de quase todas as marcas de moda é ganhar dinheiro, ela acrescentou, "e não construir uma indústria mais inclusiva".

"Se as marcas não usam mais do que uma modelo de tamanho médio [em seus desfiles] é porque não acreditam que se beneficiarão caso o façam."

Tradução de Paulo Migliacci

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