Ainda sem voto definido, Denise Fraga relaciona sua peça com cenário político: 'É angustiante'
'A Visita da Velha Senhora' fica em cartaz em SP até dia 30 deste mês
Em tempos de intolerância política e de opiniões divergentes, o espetáculo “A Visita da Velha Senhora”, protagonizado por Denise Fraga, nunca esteve tão atual. A peça, com direção geral do cineasta Luiz Villaça, está em cartaz até dia 30 deste mês no teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, centro de São Paulo.
O texto do suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), escrito em 1955, traz à tona uma reflexão sobre a vingança a qualquer custo e o valor (ou falta de valor) do ser humano.
“A peça está assustadoramente propícia e em sincronia com o que está acontecendo com o Brasil. Nunca pensei que essa situação tão ‘olho por olho, dente por dente’, retratada na peça, seria tão próxima da nossa realidade. Assusta”, afirma a atriz.
Questionada se havia definido um candidato à Presidência, a atriz afirmou que já havia decidido em quem ela não vota: Jair Bolsonaro (PSL). "Ainda não sei em quem votar, estou estudando as propostas de governo de cada candidato e incentivo todos com quem falo a fazer o mesmo."
"Em cada táxi que entro já vou falando para não jogar o voto fora. Tento mostrar que as armas estão nas nossas mãos e que tem o [candidato] menos pior sim. É um xaveco diário”, afirma a artista, que é contra candidatos autoritários.
Denise Fraga cita Claire Zachanassian, a personagem que interpreta, para mostrar o paralelo com o momento político brasileiro. Na peça, Claire oferece um bilhão para a falida Güllen, sua cidade natal, e a seus cidadãos, que deverão dividir metade dessa fortuna. Mas a bilionária filha daquela vila impõe uma condição: só fará a transferência da quantia se alguém matar Alfred Krank, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou grávida por um casamento de interesse.
"Ela é uma mulher monstro, mas você também acaba vendo a dor dela. Entende como aquele monstro foi fabricado. Ela foi abusada e quer vingança. Ilustra bem o que uma pessoa pode fazer com o ódio. Esse sentimento está muito presente no nosso atual cotidiano”, diz Denise.
Para a artista, “A Visita da Velha Senhora” é um espetáculo contemporâneo e ela explica o motivo: “Porque fala da omissão e mostra que quem não faz nada, também colabora. É muito angustiante".
A atriz, que já protagonizou outros textos de reflexão similar, como “A Alma Boa de Setsuan”, de Bertolt Brecht (1898-1956), critica posturas radicais e que incentivem o ódio. “O que é que a gente mata para ganhar nosso pão? Vamos acreditar que tudo se justifica por dinheiro?”, questiona.
Para a atriz, os políticos estão desrespeitando os direitos dos brasileiros. “Hoje em dia, aprovam-se coisas absurdas. É muito simbólico, um momento horroroso e de desrespeito grande. É muito triste”, conclui.
SUCESSO DA NOVA TEMPORADA
Denise Fraga diz que já pensava em encenar há quatro anos. "Estou super feliz, o teatro está cheio, as sessões estão indo muito bem." No ano passado, ela e a trupe ficaram em cartaz por sete meses no teatro do Sesi, que era de graça, e depois viajaram por cidades, de Belém (PA) a Porto Alegre (RS).
"Fiquei receosa de voltar a São Paulo para uma temporada com ingressos à venda, no teatro Sérgio Cardoso, até por conta da crise, que já justificaria. [...] Mas foi o contrário, o teatro está lotado e acho que é justamente por causa da crise. O teatro também ajuda nesses momentos difíceis."
Para Denise, o motivo é que a peça, ao mesmo tempo que diverte, incomoda. “As pessoas gostam de ver comédia, porque saem do teatro em estado de reflexão."
Ao lado de atores como Tuca Andrada, Eduardo Estrela e Fábio Herford, Denise diz que a plateia acaba rindo de coisas que não têm graça. “Isso ocorre porque é a banalidade de como você trata o assunto. As pessoas vão ao teatro, porque se reconhecem ali. É um espaço onde se aprende a lidar com o homem. Nós só rimos do que compreendemos.”
A atriz explica que essa graça é proposital e está presente no texto do autor Friedrich Dürrenmatt. “Ele é genial, escrevia novelas para rádio policial e tem um poder de capturar o público. Toda hora tem um gancho que seduz a plateia, que sempre fica atenta. O autor é muito engenhoso e abre reflexões.”
O espetáculo é divertido, porém, ao mesmo tempo, prende e provoca tensão constante no público. "Todo mundo pergunta porque só faço comédia. A resposta é simples: confio no humor, porque ele leva ao raciocínio. Através do humor e da ironia, [o público] puxa o pensamento. A risada é o recibo da compreensão, abre caminho ao pensamento.”
E finaliza elogiando os colegas de trabalho e o marido, Luiz Villaça, que assina a direção-geral. “O elenco é incrível. A direção do Luiz está impecável."
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