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X de Sexo Por Bruna Maia
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Proibir prostituição de rua é o primeiro passo da direita contra trabalhadores sexuais

Conservadores querem que prostitutas e travestis continuem existindo, mas precarizados

A imagem mostra a parte de trás de uma mulher com cabelo longo e solto, vestindo um biquíni. Ela está em pé em um ambiente urbano, com uma parede ao fundo que possui uma faixa azul e algumas marcas. A foto é tirada através de um vidro de carro, o que dá um efeito de enquadramento.
Trabalhadora do sexo em rua de São Paulo - Keiny Andrade - 16.abr.21/UOL
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Existem algumas formas de ser puta hoje em dia. Algumas, exercem o trabalho sexual de forma completamente virtual, por meio de sites como o Fatal Model. Há as que mantém um local fixo onde atendem clientes e as que prestam serviço em privês –também conhecidos como prostíbulos, puteiros, bordéis ou apenas "casas". Tem também as que "fazem ponto" em ruas, parques, estradas, postos de gasolina.

A combinação de mais de um método não é rara. Mas é evidente que quem está em via pública é mais visível e, portanto, o alvo mais fácil.

Um projeto de lei enviado na semana passada pelo deputado federal Kim Kataguiri, do União Brasil, pretende que a prostituição em via pública seja punida com multa e prisão de quinze dias a três meses, transformando-a numa contravenção penal. À primeira vista, a fala do jovem congressista parece razoável (até porque o alvo é fácil).

Em um vídeo no qual defende o seu ponto de vista, ele mostra o caos: prostitutas travestis se reúnem nas ruas, onde cheiram pó, tocam suas partes íntimas, fazem programas e assustam moradores. Ora, se hoje em dia qualquer um consegue vender e contratar trabalho sexual pelo celular, por que permitir que menores continuem a ser expostos a tamanha imoralidade e vizinhanças respeitáveis vejam o valor de seus imóveis diminuírem por conta dos indecorosos frequentadores?

Bem, talvez a pergunta mais apropriada seja para que criar mais uma contravenção passível de encarceramento para coibir coisas que já são proibidas, como a prática de atos obscenos em público. A pesquisadora de trabalho sexual Carol Bonomi aponta que esse tipo de proposta aumenta o poder das polícias para agirem com violência contra profissionais do sexo, e atinge principalmente grupos marginalizados, como pessoas de camadas mais populares e LGBTQIAPN+.

Dentre as mais afetadas pelo PL, estão as mulheres trans e travestis, que se destacam como grupo alvo do ódio do brasileiro, sendo constantemente vítimas de violência –além de serem um dos termos mais buscados por usuários de pornografia virtual no país.

Pode parecer que o combate aos pontos de rua conduz, necessariamente, a maior emancipação das profissionais, que podem sair de zonas de exploração sexual, tráfico e violência e migrarem para ambientes virtuais mais limpos e seguro. A questão é: seguro para quem?

Vários sites de anúncios usados para conectar garotas de programa e clientes cobram preços muito altos pelo serviço e não oferecem segurança alguma para nenhuma das duas pontas da transação. Concentração do ambiente de produção, distribuição, anúncio e negociação em alguns poucos páginas da internet está longe de significar autonomia para profissionais ou o fim do lucro com a prostituição alheia –é a tal cafetinagem, mas na "gig economy".

Em outra nota, o trabalho de rua permanece como um ambiente importante para algumas trabalhadoras do ramo. A exclusão digital ainda é uma realidade para muitas delas, por exemplo. Várias não querem expor seu corpo e rosto em sites na internet, porque isso pode prejudicá-las em outras esferas da vida.

"Muitas trabalham em casas ou em atendimentos marcados pela internet durante o dia e recorrem a rua de noite caso não tenham conseguido garantir dinheiro. Claro que não é agradável ver alguém usando drogas e transando na rua, mas existem outras formas de lidar isso que não passem por mais uma proibição", explica Aline Lopez, profissional do sexo há 12 anos.

Por um lado convém para a direita que o trabalho sexual continue existindo –afinal, muitos dos consumidores desse tipo de serviço se alinham com a pauta conservadora quando não estão chorando as pitangas no ouvido de alguma puta na zona ou torrando grana no Privacy de alguma peituda, recebendo uma mamada de uma travesti no carro —ou talvez mamando.

Por outro, convém retirar cada vez mais o espaço e o direito dessas profissionais, porque profissional precarizado e com menos opções pode ser mais facilmente coagido e explorado. "A proposta de proibir a rua é um início de um retrocesso, primeiro começa com o que é visível e depois irá avançar para outros tipos de espaços, dificultando o exercício do trabalho sexual como um todo", diz Aline –e eu concordo.

X de Sexo por Bruna Maia

Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. Autora dos livros 'Parece que Piorou', 'Com Todo o Meu Rancor' e 'Não Quero Ter Filhos', fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo

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