Eu trabalhava em uma empresa que era um misto de agência de notícias e consultoria de dados para o mercado financeiro. Fim de ano rolou a tradicional confraternização, com pizzas, vinho, cerveja. Mulheres de um lado, homens de outro. Uma colega começou a descrever em detalhes o pau da vez. Outra contou como fazia sexo anal com homens bem-dotados. Putaria pesada para o ambiente de trabalho.

Olhei para a rodinha dos homens. Cheguei perto. Estavam entusiasmadíssimos, sorriso no olhar. Falando de Naruto. Dizendo como a animação era profunda e cheia de lições de vida. Um dos moços logo contou que ia casar com uma mexicana que conheceu em um aplicativo voltado para cristãos.

Não era a primeira vez que eu e minhas colegas falávamos dessas coisas no lugar onde ganhávamos o pão. Uma vez vazaram os nudes de Paulo Zulu. Nos reunimos em volta do celular de uma delas e contemplamos a imensidão. A dona do celular disse: "Imagina pra dar o cu!" Os homens que ainda não estavam usando fones de ouvido ficaram atônitos e trataram de escutar música.

Se fosse o contrário e homens estivessem vendo fotos íntimas vazadas de uma mulher e fazendo esse tipo de comentário, seria motivo para denúncia no compliance e até demissão. Mas, bem, é falsa simetria. Mulheres não têm séculos de privilégio e poder para fazerem os colegas se sentirem assediados, pelo menos é assim que gosto de justificar nossa falta de noção.

Quando me reúno com amigas, o assunto descamba para sexo. Várias largaram namorados incríveis porque a trepada não era boa. Compartilhamos detalhes e técnicas de sexo oral. Enquanto isso, homens comentam animadamente sobre futebol e joguinhos. Seria ingenuidade dizer que eles nunca falam de putaria, eles têm fóruns na internet pra isso. Mas meus dois centavos é que falamos mais.

Eles assistem mais pornografia. De acordo com o site pornhub, são 65% dos espectadores. Infelizmente o site não disponibiliza estatísticas sobre pessoas não-binárias, e a coluna de hoje foca em pessoas heteronormativas (mas não será sempre assim!). Se eles consomem mais vídeos, elas engolem páginas e leem avidamente os romances hot, fenômeno editorial que leva as leitoras à loucura com suas longas descrições de transas doidas com CEOs e magnatas.

Jovens puras são invenção recente do patriarcado. Antes do iluminismo, as mulheres eram vistas como lascivas, centradas no próprio corpo, enquanto homens eram racionais e sabiam domar os instintos. O século das luzes lançou trevas sobre nós, nos domesticando. Mas as leoas não estão aguentando essa jaula, somos racionais e sexuais. Se os homens* soubessem o que as mulheres conversam quando estão juntas, ficariam chocados.

*nem todo homem

Pra quem não me conhece, sou jornalista de formação e também faço quadrinhos, pinto quadros e escrevo romances. A partir de agora, assumo a coluna X de Sexo, que está de volta à Folha. Todas as sextas estarei por aqui falando sobre os mais diversos aspectos desse assunto sem fim.

X de Sexo por Bruna Maia

Seguir Botão para seguir colunista

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. É autora dos livros "Parece que Piorou" e "Com Todo o Meu Rancor" e do perfil @dabrunamaia nas redes sociais. Fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo.