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Tony Goes

Perseguição ao padre Júlio Lancellotti parece um episódio contemporâneo de 'Os Escolhidos'

Série mostra que quem faz o bem sempre incomodou os poderosos

Padre Júlio Lancellotti em homenagem pelos mais de 40 anos dedicados à luta pelos direitos humanos - Marlene Bergamo/Folhapress
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São Paulo

Na segunda temporada de "Os Escolhidos", exibida pelo SBT e disponível na Netflix, Jesus Cristo começa a chamar a atenção das autoridades estabelecidas.

Os romanos, que dominavam a Judeia, não gostam das multidões cada vez maiores que seguem Jesus. As forças imperiais acham que a ordem está sendo ameaçada –apesar do discurso pacifista do autodeclarado Messias, que não prega a revolta contra o invasor estrangeiro.

Já o alto clero judaico se agarra em minúcias para impedir a pregação de Jesus, como o fato de ele realizar milagres em pleno sábado, o dia do descanso sagrado. Romanos e rabinos acabarão por juntar forças para, eventualmente, prender Jesus Cristo e condená-lo à morte.

Um roteiro semelhante se desenrola neste exato momento na cidade de São Paulo. O padre Júlio Lancellotti será o primeiro a rejeitar a comparação com Jesus, mas ele também dedica sua vida aos excluídos da sociedade. Detalhe: sem usar um centavo de dinheiro público.

Mesmo fazendo o bem e cuidando da população mais pobre da cidade, o padre Júlio se tornou persona non grata entre a extrema direita paulistana. Acusações falsas contra ele circulam há anos nos perfis de parlamentares e ativistas dessa vertente política.

Esse movimento culminou com a proposta de criação de uma CPI, feita por um vereador cujo nome não será citado. Porque é exatamente isso o que esse cara quer. Ele sabe que a tal CPI tem pouca chance de acontecer e menos ainda de ter alguma consequência prática, mas está em busca de holofotes. Afinal, concorre à reeleição em outubro. Pelo menos nesta coluna aqui, holofotes negados.

A tal da CPI, teoricamente, visa duas ONGs que atuam na cracolândia, mas das quais o padre Júlio já não participa. O nome dele sequer é citado na proposta. Mas, em suas redes sociais, o tal vereador despeja diariamente mensagens de ódio contra o sacerdote.

A repercussão da possível CPI foi tremendamente negativa. Sete dos vereadores que haviam assinado o requerimento voltaram atrás, alegando terem sido "enganados". Se foram mesmo, estão passando atestado de maus vereadores, que assinam qualquer coisa sem saber exatamente do que se trata. Mas é claro que sabiam.

A bolha da extrema direita não percebeu que Júlio Lancellotti é uma figura extremamente popular. O padre é a versão paulistana e contemporânea de Madre Teresa de Calcutá ou de Irmã Dulce, de Salvador, hoje canonizadas pela Igreja Católica. Mas essa turma de radicais nunca brilhou pela inteligência ou sagacidade.

O que mais espanta nessa história toda é que ela segue um "template" milenar, sem tirar nem pôr. Quem ajuda os mais pobres sem pedir nada em troca sempre incomodou os poderosos, interessados em manter o status quo. O padre Júlio Lancellotti é acusado por seus algozes de "tirar proveito político" de suas ações, mas não é ele quem vai concorrer nas próximas eleições municipais.

Neste ponto, a série "Os Escolhidos" mostra como o mundo não mudou nada nos últimos 2000 anos. A bondade desinteressada é vista como um inimigo que precisa ser eliminado, seja na Judeia durante a dominação romana ou na São Paulo do século 21. Mas o desfecho dessa perseguição não precisa mais ser o mesmo de sempre. Agora, depende de nós, e das nossas escolhas.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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