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Tony Goes

Pressa e desatenção são inimigos do colunista de TV

Na imprensa de hoje, que precisa atualizar seus sites a cada segundo, a correria está ainda mais acirrada

Da esq., Adriana Esteves, Taís Araujo e Regina Casé em cena de 'Amor de Mãe' - João Cotta/Globo
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O ano era 2019, e eu assistia à estreia de "Amor de Mãe", na Globo. Como de costume, assim que terminou o primeiro capítulo, mandei para o F5 uma resenha. Quanto mais rápido o texto for publicado, maiores as chances de vencer a concorrência. Só que, na pressa, eu cometi um deslize imperdoável.

"Esses dramas foram contados com agilidade pelo diretor José Luiz Villamarim, mas também sem nenhum brilho especial. O que talvez se revele uma qualidade da novela: são o texto e os atores que irão emocionar, e a câmera não tentará ofuscá-los".

Escrevi o parágrafo acima sem olhar direito para a TV, justamente quando ia ao ar um autêntico "tour de force" de direção: um longo plano-sequência, com a câmera percorrendo uma avenida e mostrando os dramas de diversos personagens, que ainda nem se conheciam entre si. Algo nunca feito antes numa novela brasileira. Palmas para Villamarim, vaias para mim.

Alguns meses atrás, comentei a estreia de "Cara e Coragem", atual ocupante da faixa das 19h da Globo.

"Pelo que se viu (no primeiro capítulo), é um bem calibrado remix contemporâneo da fórmula estabelecida para o horário, em que gente de todas as idades está diante da TV: romance, pitadas de humor e alguma ação. No caso, muita ação".

Apesar de toda essa ação, que se manteve nos demais capítulos, "Cara e Coragem" é uma novela chocha, sem maior interesse. Não é um desastre de audiência, mas tampouco é um sucesso. O tal "bem calibrado remix contemporâneo" se mostrou inócuo.

No domingo (11), fiquei trabalhando até tarde, para mandar para a Ilustrada uma crítica do último episódio da segunda temporada de "The White Lotus", série que causou sensação na HBO.

"Mas ( Tanya) acaba morrendo também, pois erra a pontaria ao se jogar no barquinho que a levaria à praia. Cai no mar e se afoga. É dela o corpo que Daphne descobre no dia seguinte, flutuando perto da areia".

Não, Tanya não se afoga. Ela bate a cabeça no convés do barco e já chega morta às águas. Uma combinação letal de pressa e sono me fez ter a impressão errada da causa da morte da personagem.

A pressa é inimiga da perfeição, diz o clichê. Todos sabemos que é verdade. Na imprensa de hoje, que precisa atualizar seus sites a cada segundo, a correria está ainda mais acirrada. Precisamos pôr o quanto antes a informação no ar, nem que seja para corrigi-la alguns minutos depois.

"Só as pessoas superficiais não se deixam levar pelas primeiras impressões", escreveu Oscar Wilde. Talvez porque na época dele não existissem plataformas de streaming. O primeiro capítulo de uma novela ou uma série pode ser extremamente capcioso. Quantas vezes não nos entusiasmamos por um conteúdo que parece ser sensacional, só para abandoná-lo no segundo ou no terceiro episódio?

Claro que é injusto criticar uma novela apenas por seu capítulo inicial. Até porque a produção costuma caprichar nesses episódios, para cativar a audiência. Por outro lado, nem sempre um programa se revela em toda sua glória logo de cara. Eu mesmo precisei insistir três vezes até engatar com "Breaking Bad", que hoje considero uma das melhores séries de todos os tempos.

Nada disso justifica os erros que eu cometi. Minha experiência como colunista deveria ter apurado melhor meu faro para identificar logo o que é bom e o que é ruim. E a pressa em entregar logo o texto, que é inevitável, deveria ter me forçado a ser mais disciplinado.

Resumindo: eu tinha que ter tomado um café bem forte antes de ver o último episódio de "The White Lotus".

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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