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Tony Goes

Fernando Grostein Andrade disseca discurso de ódio de Bolsonaro em documentário

'Quebrando Mitos' estreia na internet nesta sexta-feira (16)

O cineasta Fernando Grostein Andrade e o ator e cantor Fernando Siqueira, casal que codirigiu o documentário "Quebrando Mitos" - Divulgação
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São Paulo

Jair Bolsonaro se aproxima do final de seu primeiro e, provavelmente, único mandato presidencial. Os muitos descalabros cometidos por seu governo vêm sendo repisados por seus rivais nesta campanha eleitoral, mas talvez nem precisasse. Seu altíssimo nível de rejeição indica que o povo se lembra muito bem do que sofreu nos últimos quatro anos.

Não faltam artigos expondo a incompetência do presidente face à pandemia, à preservação do meio ambiente ou à condução da economia. O Brasil voltou ao mapa da fome e perdeu credibilidade a nível mundial. Mesmo assim, Bolsonaro ainda conta com mais de 30% dos votos no primeiro turno, segundo as pesquisas mais confiáveis. Como se explica isto?

"Quebrando Mitos", o documentário que Fernando Grostein Andrade e seu namorado Fernando Siqueira assinam juntos, identifica uma das causas paradoxais da renitente popularidade do pior presidente brasileiro de todos os tempos: a masculinidade catastrófica, ainda pior do que a tóxica.

Mas o que seria masculinidade catastrófica? O termo cunhado pelo filme ressalta que é a imposição pela força bruta das vontades de um grupo, passando por cima de instituições e controles. As consequências são terríveis e duradouras para a cultura, a natureza e os direitos humanos.

A ideia inicial de Grostein Andrade era contar a trajetória do militar expulso do Exército que se tornou um deputado federal do chamado baixo clero e, por conta de uma série de circunstâncias improváveis, acabou sendo eleito presidente da República em 2018. Para tanto, o cineasta contava com um roteiro de Carol Pires, autora do podcast "Retrato Narrado", talvez a mais envolvente narrativa lançada até hoje sobre a ascensão de Bolsonaro.

Mas o resultado, segundo o diretor, ficou pesado demais, inassistível. Foi então que o outro Fernando sugeriu que Grostein Andrade contasse um pouco de sua experiência pessoal, afetada pela masculinidade catastrófica desde muito cedo.

Apesar de ter nascido em uma família privilegiada e liberal –seu pai era editor da revista Playboy, e seu meio-irmão por parte de mãe é o apresentador Luciano Huck– Fernando Grostein Andrade não escapou de sofrer homofobia. Seus gestos delicados e sua paixão por orquídeas o transformaram em alvo de bulliying no colégio. Aos 17 anos, foi forçado a perder a virgindade com uma mulher. Foi estuprado duas vezes. Para se proteger, passou ele mesmo a fazer piadas machistas e homofóbicas.

Sua saída do armário em 2017, quando já era uma figura pública, atraiu mensagens de ódio, que viraram ameaças de morte no ano seguinte. Assustados, os dois Fernandos se mudaram para a Califórnia. Foi de lá que produziram e dirigiram o filme.

Mesmo com o depoimento pessoal de Grostein Andrade, "Quebrando Mitos" não é fácil de se ver. Dói na alma repassar por tantas declarações obtusas de Bolsonaro, e olha que muita coisa ficou de fora.

O documentário mostra como, há cerca de 10 anos, o então irrelevante parlamentar adotou o discurso de ódio às minorias para ganhar projeção nacional. Acostumado a jamais ser punido por seus atos e falas, Bolsonaro indignou boa parte da mídia e do eleitorado, mas também encontrou um público fiel que ainda o chama de mito.

O roteiro reforça que a palavra "mito" também quer dizer mentira. Sublinha a ligação da família presidencial com as milícias do Rio de Janeiro, a expressão mais acabada da masculinidade catastrófica, que mantém sob o jugo do terror pelo menos um terço da população carioca.

Pode-se dizer que "Quebrando Mitos" prega aos convertidos. Dificilmente um bolsonarista radical se interessará pelo filme, e menos ainda mudará seu voto por causa dele. Mas isto não torna o documentário menos corajoso: ao contrário, é um manifesto importante, que surge exatamente no momento em que os adeptos da masculinidade catastrófica tentam calar pela violência qualquer tipo de oposição.

"Quebrando Mitos" pode ser visto gratuitamente a partir das 18 horas desta sexta-feira (16) no site www.quebrandomitos.com.br, e também no canal de Fernando Grostein Andrade no YouTube. Tente convencer aquele seu amigo gay que votou em Bolsonaro a assistir. Se vocês ainda forem amigos, é claro.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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