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Tony Goes
Descrição de chapéu Rainha Elizabeth 2ª

Aparência comum e personalidade indefinida explicam popularidade de Elizabeth 2ª

A rainha era uma tela em branco, em que projetávamos nossas idiossincrasias

Rainha Elizabeth 2ª - Kirsty Wiggleswirth - 25.abr.12/AFP
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São Paulo

A morte da rainha Elizabeth 2ª causou comoção no mundo inteiro. Tão grande, aliás, que pareceu exagerada para alguns. Afinal, a monarca britânica não exercia nenhum poder verdadeiro, nem tinha sua figura associada a nenhuma causa específica.

Mesmo assim, Elizabeth 2ª manteve-se extremamente popular durante quase todo seu longo reinado, de pouco mais de 70 anos. Houve apenas dois momentos em que sua imagem periclitou: o desastre de Aberfan, em 1966, quando uma escola no País de Gales foi atingida por um deslizamento, e a morte da princesa Diana, em 1997. Em ambos os casos, a rainha demorou a reagir à altura do que seus súditos esperavam.

Mas esta inércia da soberana também ajuda a explicar por que ela era tão querida. Elizabeth 2ª não se manifestava sobre nada. Não dava opiniões, não comentava sobre os filmes a cujas pré-estreias comparecia, não divulgava a playlist dos hits que andava ouvindo.

Até seus gostos pessoais eram cercados de mistério. Sabemos por terceiros que ela apreciava tomar um gim tônica ao cair da tarde. A própria rainha jamais declarou suas preferências.

A persona pública de Elizabeth 2ª era uma tela em branco. Podíamos projetar nela o que quiséssemos, e criar uma rainha de acordo com nossos caprichos e idiossincrasias. Ela era uma vovó simpática para muita gente. Para outros tantos, a encarnação de valores do Reino Unido, como perseverança e coragem.

Agora que ela se foi, vêm surgindo vozes que a acusam de ter sido racista e imperialista, confundindo a pessoa com a instituição e ignorando a marcha da história. É mais ou menos como culpar o papa Francisco pela Inquisição.

Elizabeth 2ª, na verdade, reinou durante o desmantelamento do Império Britânico. E entrou em rota de colisão com a então primeira-ministra Margaret Thatcher, em 1986, quando o Reino Unido se recusou a aplicar sanções contra a África do Sul por causa do regime do apartheid. Tudo nos bastidores, é claro: em público, Sua Majestade jamais se posicionou a respeito de nada.

A rainha também tinha a genética a seu favor. Herdou da mãe duas características inestimáveis: a longevidade e a aparência comum, bem pouco aristocrática.

Elizabeth Bowes-Lyon, que ficou mais conhecida como a Rainha-Mãe, viveu até os 101 anos de idade, gozando de todas as faculdades físicas e mentais. Também tinha o que seu cunhado Edward, que renunciou ao trono para se casar com a americana Wallis Simpson, chamava de "cara de cozinheira": um ar plebeu, de pessoa do povo, bem diferente da arrogância inatingível de sua sogra, a rainha Mary.

Ela e sua filha pareciam "gente como a gente", mesmo tendo nascido, vivido e morrido no mais alto escalão da nobreza britânica. Elizabeth 2ª, quando aparecia vestida com roupas do dia a dia, lembrava uma dona de casa de classe média indo fazer compras no verdureiro. Nada mais distante da realidade, é claro, mas impressões visuais têm poder subliminar.

Além da personalidade opaca e da aparência plebeia, há outro fator que explica o sucesso de Elizabeth 2ª: sua absoluta dedicação ao cargo. A rainha tinha um exaltado senso de dever, e se submetia a todos os compromissos que lhe eram exigidos: viagens, recepções, inaugurações, vídeos com Paddington ou James Bond.

Pobre Charles 3º. O novo rei, que sobe ao trono carregando uma bagagem considerável e uma popularidade bem inferior à da mãe, tem uma missão impossível de ser cumprida. Como se diz em inglês, ele precisa "preencher os sapatos" de sua antecessora, que exerceu com a maior graça possível uma das funções mais vigiadas e comentadas do planeta.

E, por melhor que se saia, dificilmente será conhecido apenas como "o rei". Já quando falávamos "a rainha", todo mundo sabia de quem se tratava.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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