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Tony Goes

Graças ao mau humor, Roberto Carlos finalmente se tornou divertido

Broncas em fãs são bem-vindas numa carreira que já não traz novidades

Roberto Carlos durante show em São Paulo - Bruno Santos-27.jul.2022/Folhapress
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Vamos admitir uma coisa. Roberto Carlos é chato pacas.

Claro que ele é uma figura importantíssima da cultura brasileira, desde o início da década de 1960. Ao longo desses anos todos, o Rei compôs e cantou músicas que se incrustaram no nosso DNA. Ninguém se lembra em que ano surgiram clássicos como "Detalhes" ou "Emoções": parecem que estiveram sempre aí. São parte das nossas vidas.

Mas, desde a virada do século, Roberto se estagnou. Parou de lançar um álbum de inéditas todo ano, e novas gravações se tornaram cada vez mais raras. A Globo pode reprisar o especial de Natal do ano passado dizendo que foi gravado este ano, e pouca gente vai reclamar.

Enquanto RC se acomodou com seu repertório consagrado, seus colegas de geração seguem inquietos. Caetano Veloso destrincha o Brasil atual no disco "Meu Coco". Gilberto Gil entrou para a Academia Brasileira de Letras e se revigora fazendo shows com filhos e netos. Até mesmo Rita Lee, que se aposentou dos palcos e enfrentou um câncer de pulmão, se aventurou pela eletrônica coma a faixa "Change", lançada em 2021.

Como figura pública, Roberto Carlos se tornou ainda mais recluso. Não dá entrevistas, não emite opiniões sobre nada, não circula por aí. E ainda enlouquece seu entorno com suas famosas manias, causadas por um assumido transtorno obsessivo-compulsivo.

Esse marasmo foi rompido no dia 13 de julho, quando Roberto soltou um "cala a boca, porra!" para um fã que o importunava durante um show no Rio de Janeiro. Gravada em vídeo, a cena imediatamente viralizou. Também virou meme o momento em que ele distribui rosas para a plateia com uma expressão absolutamente contrariada no rosto.

Não foram episódios isolados. Em apresentações posteriores, Roberto pediu que um grupo de fãs ficasse "quietinho" enquanto ele cantava "Como É Grande o Meu Amor por Você", e se recusou a entregar uma rosa para um afoito que puxou sua mão. Ele está nitidamente sem paciência para os arroubos da plateia.

A que se devem essas broncas, que vão contra a imagem de bom moço que o Rei sempre cultivou? Para começo de conversa, ele está com 81 anos e não precisa provar mais nada para ninguém. Sua voz envelheceu maravilhosamente bem, mas sua vontade de encarar um palco não parece mais a mesma. Pudera: ele faz basicamente o mesmo show há pelo menos 30 anos.

Além do mais, Roberto Carlos passou por um período especialmente difícil na vida pessoal. Seu filho Dudu Braga morreu em setembro de 2021; antes disso, em março, ele perdeu seu irmão Lauro. E acabou de ter Covid-19, um pesadelo para quem tem fobia de germes.

O sofrimento do Rei merece toda a nossa solidariedade. Mas eu não me furto de dizer que seus recentes acessos de mau humor o deixaram mais divertido e interessante. Agora, todo show seu começa com uma nova expectativa: será que Roberto vai estressar? Tomara!

Sem querer, Roberto Carlos talvez tenha traduzido um sentimento que assola milhões de brasileiros. Estamos todos de saco cheio, irritados, desanimados. Seu "cala a boca, porra" também é um grito de guerra. Afinal, outubro está chegando.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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